Na sequência de "Abstract", "Free Form" e “Movement”, discos com que Joe Harriott (1928-1973) quase de uma assentada entrou a matar na morna cena jazz britânica do início da década de 60, mais exactamente à razão de um disco por ano, entre 1961 e 1963, provocou um tsunami correlativo daquele com que Ornette Coleman já andava submergir as ruas de Nova Iorque (e arredores) desde finais dos anos 50. Como é sabido, de ambos os músicos o status quo do jazz disse cobras e lagartos, que não era jazz, um horror inominável, que estavam a dar cabo da boa e velha tradição, porque torna, porque deixa, e todo o habitual chorrilho de baboseiras, disparates e alarvices avulsas com que o conservadorismo reaccionário, cá como lá, geralmente brinda quem se atreve a sair do rêgo e a pôr a cabecinha de fora (entretanto, com o tempo, que tudo cura, até a estupidez, adquiriram outro estatuto, de párias passaram a ser os maiores, coisa e tal...).
Não é muito comum ouvir-se dizer, mas a importância de Joe Harriott para a cena jazz/improv britânica é enorme. Basta pensar que ele foi uma influência determinante em John Stevens e Evan Parker, para não ir mais longe. Mesmo na América dos dias de hoje se podem encontrar vestígios múltiplos da influência do saxofonista em saxofonistas como Ken Vandermark, por exemplo. Depois daquelas três bombocas, o saxofonista de origem jamaicana experimentou outro tipo de abordagem, eventualmente como reacção ao falatório que o acusava de anti-jogo e de ser um autêntico coveiro do jazz (as coisas que se dizem...). A dada altura, ainda em 1963, numa opção que deve ter tido em conta pressões e outras considerações extra-musicais, Harriott resolveu gravar ao vivo um set inteiramente preenchido com standards. Talvez para provar alguma coisa a si próprio ou a terceiros, quem sabe? O resultado foi "Live at Harry's 1963", gravação que representa o regresso do artista à forma bop, cuja Harriott praticava desde que, em 1951 ou 1952, mudara de ilha, gravação que não chegou a ser prensada, nem mesmo no Japão, país onde desde há muitos anos floresce o mercado das raridades e bizarrias.
Deste Harriott não se pode dizer que é bizarro, antes raro. E mais ainda porque ao vivo. Os cinco standards da sessão, Sandu, Cherokee, Night In Tunisia, I'll Remember April e Just Friends, recebem um tratamento distendido, com longos e imaginativos solos, Harriott e a rapaziada a puxar ora para o lado Dolphy, ora a flanquear para as bandas de Ornette, sem nunca perder a forma de vista. Bela banda esta que em Abril de 1963 gravou em Leicester num clube de jazz de Harry Flick, que no fundo é Johnny Collins Quartet aumentado, com Johnny Collins, saxofones alto e barítono, Colin Willets, piano, Fred Barnsley, contrabaixo, e Tony Levin (esse mesmo), bateria. Edição britânica da Rare Music, acabadinha de sair. Ide por ele antes que se torne outra vez uma iguaria apenas ao alcance dos escassos felizardos que em devido tempo esticarem a mãozinha para agarrar o seu bendito exemplar. Não sei se a edição é limitada, mas há-de ser curta para as encomendas.