No mais recente lote de edições da Creative Sources Recordings, focado em artistas europeus da livre-improvisação, como David Chiesa, Birgit Ulher, Sascha Demand, Wade Matthews (norte-americano, há muito radicado em Espanha) e Ingar Zach, há um disco que chama particularmente a atenção: Rocca, o primeiro registo de um duo que já conta um bom par de actuações ao vivo em concertos e festivais, formado por Agnès Palier (voz) e Olivier Toulemonde (dispositivo electroacústico). Palier veio da canção francesa, do canto lírico e do jazz, para se consagrar por inteiro à improvisação não-idiomática. Toulemonde começou por tocar saxofone (o que ainda faz), mas deixou-se cativar pela maquinaria produtora de sons, que combina com objectos sortidos. A dupla harmoniza as diferentes noções de tempo que os seus instrumentos lhes permitem ter, articulação permanente entre o som criado num ambiente virtual e o outro, produzido pelo corpo humano, em que fôlego e ressonância são vitais na produção sonora.
Em seis peças de exploração sonora ávida do instante e consciente da sua fragilidade, mistura-se electricidade metálica, percussão acústica, sopro, sons guturais, chios, gemidos, canto, onomatopeias, e o uso de uma considerável variedade de técnicas vocais avançadas, algumas das quais se podem ouvir em improvisadores como o britânico Phil Minton, por exemplo.
Saudam-se os belos momentos de contraste entre estas duas matrizes essenciais e o trabalho na procura da complementaridade – que nunca é garantida, mas conquistada a cada passo, segundo a segundo – a fusão de duas realidades, uma virtual e digital, outra física e orgânica, que os músicos fazem convergir e coabitar em baixo volume, facto que em nada faz diminuir a intensidade do resultado.
É claro que o encontro homem-máquina, no que à criação musical diz particularmente respeito, é tudo menos novo. Onde realmente desponta a novidade é na permanente tentativa de encontrar diferentes soluções de combinação sonora, que apenas a livre-improvisação permite. Nessa medida – e este é um dos pontos altos do disco – está-se constantemente a ser surpreendido pela inventividade e pela audácia deste par de improvisadores. Rocca foi gravado em Tossiat, França, a 17 e 18 de Fevereiro de 2005.