NO FILTER TRIO
Luso Café, 16FEV2006
Hernâni Faustino (contrabaixo),
Eduardo Chagas (trombone),
Miguel Martins (trompete, melódica, train whistle, sinos).
Foto: Rui Portugal
A Sabedoria do Corpo - Nos Trilhos de Ra
Café Luso, quinta-feira, 16 de Fevereiro
"Tu dizes «eu» e orgulhas-te desta palavra. Mas há qualquer coisa de maior, em que te recusas a acreditar, é o teu corpo e a sua grande razão; ele não diz Eu, mas procede como Eu. Aquilo que a inteligência pressente, aquilo que o espírito reconhece nunca em si tem o seu fim. Mas a inteligência e o espírito quereriam convencer-te que são o fim de todas as coisas; tal é a sua soberba. Inteligência e espírito não passam de instrumentos e de brinquedos; o Em si está situado para além deles. O Em si informa-se também pelos olhos dos sentidos, ouve também pelos ouvidos do espírito. O Em si está sempre à escuta, alerta; compara, submete; conquista, destrói. Reina, e é também soberano do Eu".
- Friedrich Nietzsche, in 'Assim Falava Zaratustra'
O breve concerto de quinta-feira passada, no Café Luso, propôs uma música para o corpo, no sentido em que o instinto é mais rápido e sábio que a razão. Neste contexto e para alem das estratégias estruturadas pelo intelecto, Miguel, Hernâni e Eduardo, dosearam e misturaram sensibilidades na razão justa. Souberam transpor os obstáculos da técnica para se instalarem, ouvidos abertos e dedo no gatilho, numa inteligente troca sonora de texturas e acentuadas dinâmicas. A variada sucessão de ideias deixou espaços suficientes para se ouvir com clareza as três vozes distintas. Apesar da energia ter esmorecido ligeiramente no final do set, esta acabou por regressar à intensidade inicial com uma conclusão diga da restante actuação.
Miguel tocou com o sentido da oportunidade que o caracteriza: o estritamente necessário para marcar veementemente a sua presença, desocupando o restante espaço de forma tão altruística como inteligente. Uma clara atitude de ‘contra-arte’ confirma, neste caso, um grande sentido estético.
Hernâni teceu a textura base do grupo e deu-lhe a projecção e andamento necessário. Funcionar como o motor principal, consolidando a forma musical. Uma ampla gama de harmónicos, com arco, antecedeu as suas irrequietas e rápidas malhas com técnica dedilhada.
A intervenção do Eduardo ‘Jorge Lewis’ foi uma surpresa! Os seus limitados recursos técnicos não foram um impedimento para dar largas a um som poderoso, tão redondo como nítido, pontuando a noite com um fortíssimo ataque, preciso e convicto. A noção de arranjo, oportunidade e contenção, foram próprias de quem tem os ouvidos abertos e um amplo imaginário guardado no arquivo da memória. Pondo, já agora, as coisas em contexto metafísico, foi ainda fiel ao mote "precision and discipline", do seu mentor espiritual: o próprio Sun Ra, The Living Myth! Com o espírito do mestre no coração (afinal uma parte indissociável do corpo!) explorou ainda as dinâmicas mais subtis e os infinitos cromatismos que o seu novo instrumento lhe permitiam. Haverá ainda muito trabalho de casa para fazer (e quem não o tem?), mas na sua estreia absoluta, ou foi beginners luck, ou então o Eduardo mostrou que ainda há um vasto filão por explorar. Para já, um contrato exclusivo com a Saturn Records, a não ser que alguma editor nacional dê o primeiro passo em frente! CALLING PLANET EARTH! Calling…Calling Planet OUI-RTH...!
- Abdul Moimême