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18.1.06
 


A música que os portugueses Ernesto Rodrigues e Guilherme Rodrigues (violino e violoncelo, respectivamente), o norte-americano Wade Matthews (flauta, clarinete baixo e laptop) e o libanês Bechir Saade (flauta, clarinete baixo) tocaram na primeira parte do duplo concerto dia 18 de Janeiro, na Trem Azul, aproxima-se esteticamente de algumas correntes da composição contemporânea. Explorações musicais em que cada fragmento sonoro encerra conjuntos maiores ou menores de outros sons, harmónicos insinuados pelas cordas contra e a favor dos sopros, contrastando altas e baixas frequências em movimento. Música que em grande medida explora a gestão do silêncio como ausência de som (que não é o mesmo que ausência de música), a frase que se começa a desenhar mas que se deixa propositadamente inacabada, encaixa noutra de imprevisível origem, duração e direcção, que instiga a formação de contrastes e aproximações, matizes diversos de sombra e luz, cambiantes que se mesclam e complementam, notas soltas para quem as quiser apanhar e passar a outro. Ruídos cageanamente integrados na paisagem sonora, construção, ruptura, inflexão, acervo de assimetrias discursivas que se estabelecem propositadamente ao acaso, indeterminadas e instantâneas.
Na segunda parte, permanecendo Wade Matthews da formação anterior, entraram Alípio Carvalho Neto (saxofone alto), Miguel Martins (melódica), Hernâni Faustino (contrabaixo) e Pedro Costa (violino). Durante cerca de meia-hora assistiu-se à sã convivência entre as características mais marcantes da música tocada na primeira parte e as das linguagens da improvisação mais próximas do jazz, com Alípio a picar notas por cima da manta de urdidura colectiva, constantes trocas de olhos com a doçura da melódica, pinceladas de cor em passo mais acelerado sobre o drone irregular das cordas de Pedro Costa e Hernâni Faustino, com maior complexidade e exigência no equilíbrio das vozes. O mesmo tipo de inventividade sob formas que, sendo similares às da primeira parte, com elas mantêm uma relação dúplice de proximidade/afastamento.
Assentando no mesmo paradigma, a segunda parte trouxe outro tipo de focagem, com maior amplitude dinâmica. Música mais rápida, igualmente livre, estilisticamente diferente da anterior – “o mesmo cavalo com outros arreios e outro tipo de movimentação”, parafraseando uma expressão que ouvi a Alípio Carvalho Neto na animada conversa de bastidores que longamente mantivemos sobre esta dupla afirmação da criatividade da música improvisada feita em Portugal.
Nada está escrito no papel, como na linguagem, em que a fala precede a escrita. No mesmo sentido, a improvisação serve finalidades de comunicação entre os músicos, e entre estes e o público, resultando na revelação de mundos sonoros complexos e misteriosos, que se posicionam para lá das convenções do tonalismo, atonalismo, reducionismo ou minimalismo, free jazz e livre-improvisação, fruto da interacção consciente entre músicos com diferentes backgrounds, formações, origens culturais e geográficas, irmanados no propósito de criação sonora em comum, em busca de qualquer coisa: outras formas de produção e de escuta musical, por exemplo.

 


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