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31.12.05
 

Esta Sudden Music, que escuto noite alta da forma que penso deve ser ouvida – isto é, com máxima concentração, com baixo ruído de fundo para melhor apreender o silêncio –, talvez seja “súbita” na maneira como se expõe ou, com maior propriedade, como se insinua de forma inesperada, sem ser brusca ou intempestiva. Ernesto Rodrigues, António Chaparreiro e José Oliveira entretêm-se aqui em longas improvisações que dão o mote e o ambiente propícios ao desenvolvimento suave e vagaroso, não arrastado, da marcha dos acontecimentos. Violino e viola, guitarra, percussão e piano preparado (também há voz murmurante, não creditada). Som com furos de silêncio ou silêncios pontuados por sons delicadamente ocasionais? Depende da perspectiva, sendo válidas ambas as abordagens, espécie de positivo e negativo da fotografia sonora. A perspectiva de Ernesto Rodrigues, sobretudo no tema de abertura em que a superfície sonora é menos agitada (Round Angles and Sharp Lines), parece ter sido a de dar voz, importância primordial, ao silêncio, que é dele que tudo nasce e para onde tudo corre. Estética próxima da chamada lowercase (Steve Roden define-a como música que aguarda sossegadamente por ser descoberta, antitética da que grita para e por ser ouvida), da improvisação reducionista (ou, preferencialmente, reduzida, despojada), baseada no detalhe, na quietude, na gestão dos amplos espaços e intervalos, que não deve ser confundida com minimalismo repetitivo, posto que em Sudden Music não se reconhece uma linha contínua de progressão unidireccional assente na repetição, mas o encontrar de múltiplos acidentes na paisagem, pontos de fuga que se encontram e desencontram em diferentes planos, os detalhes projectando-se no espaço em várias dimensões. Os extremos tocam-se, e no meio, no grande arco em que o som se organiza, vive o silêncio fundacional, matéria plástica, princípio e fim. Silêncio e tensão, a mesma que aglutina os micro-fiapos sonoros e permite ao ouvinte esperar pelo som seguinte (que já lá está, só que ainda não foi ouvido, aguarda apenas que o ouvinte o descubra), interagir com ele, reflectir sobre ele, pressentir o movimento actual antes que novo som subtilmente se instale, assim deslizando suavemente ao longo dos mais de 70 minutos em que o disco nos pode encantar.
Bom trabalho dirigido por Ernesto Rodrigues. Aprecio, a par da meritória actividade editorial a que se tem vindo a dedicar (52 discos publicados até à data, desde 2000, na Creative Sources), o seu entusiasmo e a capacidade de arriscar em renovadas propostas estéticas, de juntar vontades, formar e dirigir grupos de músicos pelo puro prazer de improvisar.

Sudden Music

Ernesto Rodrigues / António Chaparreiro / José Oliveira

1. Round angles and sharp lines (16.46)
2. Something is going to happen (19.03)
3. Lateral thinking (20.17)
4. Landscape with persons and furniture (14.19)

Gravação de Dezembro de 2001, no estúdio Tcha Tcha Tcha, em Lisboa.

 


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