Da farta fornada das edições deste ano da Clean Feed, numa escolha difícil porque muitos foram os pontos altos do trabalho editorial de Pedro Costa, Hernâni Faustino e Ilídio Nunes, considerei Elaboration, do trompetista Herb Robertson, aquele que, para meu gosto, foi o melhor, o mais sólido e elaborado disco que a editora portuguesa lançou em 2005. Escolha tanto mais difícil, quanto me “obrigou” a preterir discos com a valia estética e artística de Idle Wild, de Dennis González com o grupo Spirit Meridian, ou deste Townorchestrahouse, que traduz a estreia discográfica enquanto líder do percussionista norueguês Paal Nilssen-Love, num set em quarteto, com Evan Parker (saxofones tenor e soprano), Sten Sandell (piano) e Ingebrigt Håker Flaten (contrabaixo). Townorchestrahouse: palavra composta que funde os títulos dos três temas do disco. Gravado ao vivo na Noruega durante uma actuação do grupo no Kongsberg Jazzfestival de 2002, o álbum apresenta duas longas improvisações (32’ e 29’), e uma terceira, mais curta (8’) mas não menos intensa. Evan Parker, o veterano da sessão, tem honras de abertura de Town em saxofone tenor, instrumento cuja linguagem tem vindo a reformular ao longo das últimas décadas, facto que, porventura, cauciona a sua autoridade para, de modo natural, definir o padrão estético da improvisação logo às primeiras movimentações.
Conquistada Town pelo denodo de mestre Parker, passa-se à segunda peça, Orchestra, improviso em que Nilssen-Love concede a Sandell espaço mais alargado e o ensejo de trabalhar com cores mais imediatamente referenciáveis a Cecil Taylor, permitindo-lhe posicionar a sua arte algures entre a de Alexander von Schlippenbach e a de Irène Schweizer.
A marca principal de Orchestra, peça de brilhante construção, na forma como tece a apertada urdidura das teclas do piano com as chaves do saxofone soprano, é dada pela característica liquidez do piano de Sandell, a correr saltitante pela encosta abaixo, como um rio que só pára quando encontra o mar.
Para o ambiente exploratório geral contribui em muito o delicado trabalho do baterista, a mão certa para este tipo de estruturação instantânea, coadjuvado nas cordas por Håker Flaten, com quem habitualmente partilha tarefas em grupos como o Scorch Trio, ou The Thing, com Mats Gustafsson.
Em House, a fechar a contenda, Evan Parker retoma a voz de tenor para uma extraordinária sequência de frases, entrecortando o seu personalizado lirismo com as erupções de energia que lhe são características. Na lógica de desenvolvimento do disco, este último tema surge qual síntese dos dois anteriores, a súmula do entendimento que os quatro músicos têm do que é a moderna música improvisada, que é simultaneamente o tomar de pulso ao contributo europeu para evolução do género. Esta é uma música substancial que se descobre a cada nova audição.
Paal Nilssen-Love Quartet - Townorchestrahouse (Clean Feed, 2005)