Ascent - Bernardo Sassetti Trio2
Culturgest – Grande Auditório
4 de Outubro, 21h30
Bernardo Sassetti - piano, Adja Zupančič - violoncelo, Jean-François Lezé - vibrafone, Carlos Barretto - contrabaixo, Alexandre Frazão - bateria.
‘…ao encontro de uma procura intemporal, quase distorcida (…) da realidade...’
…uma árvore distorcida através da vidraça, um travelling silencioso sobre um vitral de imagens desfocadas, craquelé de vidros ausentes, nuvens estriadas sobre a intensidade de um céu cor de lazulite… silêncio, mais silêncio… perspectivas incompletas de um homem numa rua qualquer… em Paris? Tudo preenchido pelos breves sons de uma sala repleta de público, na expectativa de ouvir algo surpreendente. Lançando a tónica ambiental, na forma de projecções sobre a grande tela atrás dos seis músicos em palco, o pianista deu início a um ambicioso programa (1h30), apresentando o seu novo projecto Ascent neste contexto multimédia.
A música foi gerida com um grande grau de austeridade formal, tendo Sassetti optado por subdividir o sexteto num duplo trio (daí a denominação Trio2 em vez de sexteto). O piano, situado ao centro, acabou por funcionar como charneira entre dois universos que apenas se sobrepuseram numa ocasião. À sua direita situou-se o trio jazzista por excelência, com contrabaixo e bateria, do outro lado colocou-se o violoncelo e o vibrafone compondo um conjunto de música de câmara.
Para além de explorar as potencialidades da relação da música com a imagem, fixa ou móvel, Sassetti usou esse pretexto para investigar o seu vocabulário próprio, numa pesquisa introspectiva, marcada pela serenidade de quem não tem nada a provar. A música esteve sempre em estado puro para quem a quis absorver. Atitude reforçada pela articulação económica dos arranjos.
O trio de câmara funcionou a uma só voz, com o violoncelo a complementar o piano na afirmação das linhas melódicas, salientando-se menos como instrumento solista. O vibrafone funcionou sobretudo como extensão tímbrica e harmónica do teclado. O trio de jazz resultou como contraponto, recorrendo a uma abordagem mais dentro dos cânones tradicionais, com excelentes solos dos três músicos a pontuar os temas.
Ao todo, o programa resultou como uma grande viagem pelos estados de alma do compositor, proliferação de paisagens sonoras onde o romantismo, os modos latinos, a abstracção (ao estilo de Messian), os vamps e os grooves em ritmo quaternário se encaixaram perfeitamente num todo coeso e coerente.
Ainda não tive oportunidade de ouvir o disco mas, a julgar pelo concerto, promete ser uma obra marcante na carreira de Sassetti, assim como da discografia nacional (há algo de intrinsecamente lusitano no som do pianista… não me perguntem porquê!). Sassetti tem a vantagem de contar com um público maioritariamente jovem (na casa dos 20-30) o que à partida é um bom presságio.
Única ressalva relativamente ao concerto: a duração excessiva, que teria sido resolvida com um intervalo a meio.
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(Sheik Abdul Moimême)