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22.7.05
  ZU
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Nuno Martins, fotógrafo e "music witness" de renome, num texto originalmente publicado na revista Underworld, elabora com gosto e sensibilidade sobre o fenomenal power trio italiano. Com um cunho marcadamente hard core e estonteante velocidade de execução, os ZU metem a mão na massa com que trabalham os holandeses The Ex, ou os japoneses Ruins, Bondage Fruit e Happy Family, por exemplo. E John Zorn, o criador da matriz deste som híbrido, anguloso e extraordinário... .

ZU
«Imaginem uma locomotiva a vapor a toda a velocidade. Pesada, toneladas de ferro e aço movidos por complexos e intricados sistemas de locomoção, entroncados e constituídos por mecanismos e engenhos que, necessariamente, têm de estar perfeitamente oleados e sincronizados. Pequenos pormenores, facilmente submersos na totalidade do monstro mecânico, são essenciais para vencer a inércia rumo ao movimento. Aliado à massa compósita de ferro e aço, o vapor quente da combustão fóssil providencia a energia cinética que alimenta a máquina. É o elemento complementar. Não é palpável mas sente-se a sua força. Impõe-se na resolução da equação da propulsão. Transportem este gigante para os domínios da criação musical. Encontraram os ZU.
A sigla ZU nasceu em 1997, em Itália, para identificar o trio de músicos Luca Mai (saxofones alto e barítono), Massimo Pupillo (baixo eléctrico) e Jacopo Battaglia (bateria), cuja movimentação e performance no meio underground romano lhes havia granjeado uma considerável reputação. Cultivando e aprumando uma linguagem própria, o trio dedica-se sobretudo a criar música para sonorizar em directo peças teatrais, numa representação musical das emoções e sentimentos veiculados por actores e conteúdos.
A participação num disco tributo aos americanos Half Japanese de Jad Fair, ao lado de John Zorn, Ruins, Eugene Chadbourne, Jello Biafra e God Is My Co-Pilot, entre outros, confere-lhes uma exposição para além das fronteiras de Itália e proporciona pistas para futuras colaborações. A participação dos ZU é reconhecida no meio underground como uma especial surpresa. O convite não tinha sido por acaso. Os sopros selvagens, densos e indomáveis, mas sobretudo, a complexa e coesa teia rítmica propulsora da música dos ZU é já evidente, e tornar-se-ía a sua imagem de marca.
1999 é o ano de estreia discográfica em nome próprio, com a edição de Bromio pela casa italiana Wide Records, disco que acabará por ser nomeado album do mês pelo prestigiado jornal americano All About Jazz.
Um conjunto de projectos e uma mão-cheia de participações e colaborações, quer em estúdio, com John Edwards ou os Vandermark 5, quer em concertos, com Fantomas ou Flying Luttenbachers, fazem de 2000 um profícuo ano para a exposição pública e divulgação do nome ZU. O duplo encontro com o inusitado mestre da guitarra folk experimental Eugene Chadbourne, ícone do absurdo e do excêntrico, proporciona a gravação de The ZU side of the Chadbournes (2000, Newtone/Felmay), sarcástica colecção de temas estruturados no humor do guitarrista e no ataque sonoro dos italianos, e Motorhellington (2001, Newtone/Felmay), uma sucessão de re-leituras arty-choque de músicas num arco de latitude desde os Motorhead e Black Sabbath a Duke Ellington e Charles Mingus.
A veia nómada do trio, leva-os a obscuros clubes e salas do meio independente europeu e americano, longe dos circuitos comerciais mas, ao mesmo tempo, sedimentando uma sólida reputação pela experiência ao lado de nomes como os DKV de Vandermark, os japoneses Melt Banana ou Ruins, os belgas The Ex ou os ingleses 4Walls.
A progressiva deambulação dos ZU por territórios afectos ao jazz improvisado e avantgarde atinge novo patamar com a gravação de Igneo (2002, Wide Records) onde contribuem para o ambiente free-jazz a linguagem de três grandes nomes da cena avantgarde de Chicago: Ken Vandermark (saxofone tenor), Jeb Bishop (trombone) e Fred Longberg-Holm (violoncelo), eles próprios companheiros de inúmeras aventuras por territórios muito pouco ortodoxos.
Igneo sintetiza tudo o que o som ZU simboliza. A adição do trio de músicos jazz procura uma dimensão exploratória do léxico sonoro base sobre as complexas estruturas rítmicas fraccionadas e multi-divisões harmónicas do duo baixo-bateria, inflamando a coloração musical, já de si ao rubro, e injectando uma intensidade que catalisa toda a fusão punk-rock com uma leitura free-avantjazz. Robusto, mordaz e brutal, são adjectivos que se colam à ferocidade de Igneo, que sucessivas audições não cessam de criar uma sensação onde a aventura se sobrepõe ao bom senso. Mais que recomendável, obrigatório.
Os concertos europeus e norte-americanos confirmam a exposição do trio, pese a indiferença do circuito comercial. Continuam as imprevistas colaborações com músicos das franjas mais radicais, como o saxofonista sueco Mats Gustafsson e o Aaly Trio, os free-punk NoMeansNo, o louco baterista holandês free-improv Han Bennink, ou os avant-punk Fugazi, entre outros, numa diáspora pelos palcos subterraneos da Europa e dos EUA.
O passo seguinte na rota dos ZU traz-nos um conjunto de composições onde se arrisca conscientemente no terreno harmónico do freejazz, tórrido e emocional, perpassado por um suporte rítmico desvastador, atonal e complexo, produto do encontro dos músicos Ken Vandermark (saxofones), Nate McBride (contrabaixo) e Hamid Drake (bateria) com a banda italiana, cuja osmose em duplo trio e quarteto resulta na gravação de Radiale (2004, Atavistic). O impacto é notório, a junção da propulsão polirítmica de Hamid Drake traz novas cores à precisão cirúrgica de Jacopo Battaglia, Vandermak gera uma aproximação de motivos freejazz ao sax corpulento e opaco de Luca Mai e, ainda, o contrabaixo de McBride emulsiona a profundidade do som em texturas de subtilezas agridoce, alguma introspecção entre o debitar decibélico. Radiale, permanece como a mais recente aventura de um ZUísmo que teima em devastar toda a imaginação que pré-existe numa leitura musical.
As operações equacionadas pelos ZU são uma estimulante experiência auditiva e, para os parcos presentes na sala lisboeta da Galeria Zé dos Bois, o inesquecível concerto do trio em 2004, autêntica pedrada no charco da acomodação estética, foi prova de uma experiência visual e auditiva fulminante, em directo, um autêntico soco no estômago. Destilação de energia, crua e despida de artifícios.
A prevista tournée europeia para a primavera de 2005 com os inclassificáveis terroristas Flying Luttenbachers, promete empolgar os que, sortudos, tiverem a oportunidade de assistir à fulminante passagem da “besta híbrida”, como alguém já os apelidou».
- Nuno Martins

 


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