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12.10.04
  Uma hipótese de abordagem à Música de Cecil Taylor (TPC - Trabalho para Casa)

Sei de quem se tenha escandalizado com esta forma de colocar a questão, mas não é caso para tanto. Na verdade, para entrar na música de Cecil Taylor e poder frui-la na sua grandiosidade iconoclasta, é aconselhável que o ouvinte neófito se disponha a realizar alguma preparação interior prévia. Por outras palavras, é recomendável fazer alguns exercícios. Dão trabalho, implicam algum investimento – sofrimento até - mas no fim compensam largamente o esforço. Pode parecer estranho que, para fruir uma obra de arte, tenhamos que sofrer. Mas isso, afinal, não é assim tão estranho. Pelo contrário, é inerente à relação do sujeito com o objecto artístico.
Sem paternalismos, a partir da minha própria experiência pessoal e com base nas reflexões que alguns especialistas têm feito sobre o assunto, a última das quais me foi dada ouvir na master class que Cecil Taylor deu na Universidade de Nova Iorque, em 11 de Outubro passado, é possível sistematizar e apresentar algumas dicas simples, que podem vir a ser de grande utilidade para os neófitos, os recém-chegados ou os prematuramente afastados do convívio com as obras do mestre. Os convertidos não acharão aqui qualquer benefício. Mas os outros, talvez. Não há como experimentar.
Para evitar entradas de leão e saídas de sendeiro; flic-flacs à retaguarda com piruetas empranchadas, saltos mortais encarpados sem prévio treino e aquecimento, que normalmente dão resultados pouco satisfatórios, arrolei estes tópicos:

1) Libertar a mente dos preconceitos que lhe foram sendo instilados ao longo dos anos, desde o nascimento. Não será possível limpar a memória da música que ouvimos via rádio, televisão, etc, mas será útil consignar um espaço de atenção para a novidade. É um processo difícil, tanto mais que Taylor tira-nos a rede debaixo dos pés.

2) Não desfalecer nem desistir ao primeiro impacto. As sensações iniciais podem ser desconfortáveis ou mesmo penosas. Poderão ocorrer dúvidas sobre se o que se está a ouvir é realmente música. Desde logo, porque as melodias não progridem linearmente, como sempre nos habituámos ouvir, e a estrutura harmónica - a arquitectura da música - é totalmente fora do comum para os padrões tradicionais, tal qual se conhece no mundo ocidental.

3) Esqueçamos também as noções de ritmo, tempo e espaço que possuímos, porque aqui não servem se não para atrapalhar. É preciso insistir para dobrar o Cabo das Tormentas. «Como é que a música viaja através do espaço?» - interroga-nos o artista.

4) Ouvir música como se fosse a primeira vez. Como se tivesse acabado de ser “inventada”. É disso que se trata: Taylor obriga-nos a pôr em causa os nossos hábitos de escuta, as nossas certezas, o nosso gosto, a nossa dieta musical, que poderá ser mais ou menos variada. Quanto mais diversificada, melhor; o espírito já estará mais exercitado e receptivo.

5) Disponibilidade para reconsiderar e reavaliar os conceitos e as formas estéticas que fomos adquirindo. Ter o ouvido um pouco treinado na audição de música clássica, contemporânea, em particular, ajuda imenso na descida às profundezas, tal como conhecer Duke Ellington, Thelonious Monk, e, preferencialmente, toda a tradição do piano jazz. Em Cecil tudo é diferente do que o precedeu, mas conhecer a sintaxe do piano é como uma lanterna na escuridão. Os conceitos pré-definidos e que se associam ao que se comummente designa por Jazz, são postos em causa e redefinidos.

6) Concentração total na performance do artista, seja a assistir a um concerto ou na audição de um disco, para não perder o fio à progressão. Seguir Taylor, particularmente quando se é leigo, não é pêra doce e não se compadece com distracções.

7) Começar por ouvir os discos que Cecil Taylor gravou nos meados dos anos 60, os famosos Blue Note, «Unit Stuctures» e «Conquistador», por exemplo; depois, recuar um pouco até aos anos 50, visitar «Jazz Advance» e «Looking Ahead»; a seguir, dar um grande salto até aos anos 80, a vez dos discos da Soul Note e Leo Records. E daí até ao presente.

Cumpridos alguns destes sete trabalhos, não está garantido que se fique um apaixonado pela música de Cecil Taylor; apenas que se realizou uma experiência que é susceptível de provocar uma alteração nas nossas referências e concepções sobre a música, a arte e a existência humana.

Obrigado, Mr. Taylor.

Nota: Cecil Taylor, vai tocar no dia 13 de Novembro de 2004, pelas 22h00, no Auditório da Universidade do Minho, no âmbito do Guimarães Jazz 2004. Será uma apresentação em trio, com Tony Oxley, bateria e percussão (o duo que esteve no Centro Cultural de Belém, em Fevereiro deste ano), e Bill Dixon, trompete.

 


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