Composta e processada em estúdio para difusão através de equipamento de reprodução sonora, a peça sonora AnimaLi, de Graziano Lella (Creative Sources Recordings # 127) tem como ponto de referência e inspiração principal textos de Julio Cortazar retirados do romance Rayuela (1963), obra de transgressões várias, das mais relevantes da literatura latino-americana do Séc. XX (edição portuguesa sob o título O Jogo do Mundo, pela Cavalo de Ferro, em 2008). Mas também das vozes de Luisa Merloni, Patrizia Romeo, Laura Riccioli, Manuela Cherubini e Michiko Hirayama. Referência ou referências principais, porque, além dos aspectos “intertextuais”, a escuta atenta de AnimaLi revela um manancial imenso de outras “vozes”, fora do universo literário e dos protagonistas físicos que o habitam, sons imersos no vasto mundo de possibilidades extravagantes que a criação electroacústica contemporânea tem para oferecer. Graziano Lella, sob o nome artístico de ARG, fundiu com mestria elementos de música concreta (vozes, sobretudo) e sons electrónicos processados para servir uma estratégia composicional voltada para a performance acusmática (som de fonte escondida – a expressão tem origem na Grécia Antiga, quando os discípulos de Pitágoras escutavam o mestre sem o ver, para que se concentrassem no que dizia e menos na sua imagem), em nove movimentos. O fito original era o da execução em espaço aberto, como fundo para a representação teatral, contexto físico e visual para o qual a peça foi desenhada e composta. Mas, se se quiser, AnimaLi, no rigoroso equilíbrio das suas proporções, ampla espacialização e potencial de fantasia, pode constituir uma boa proposta sonora para, por exemplo, ao luar, seguir com proveito acústico o curso das nuvens e o movimento das estrelas.