Nunca escondi o apreço que tenho pela obra de Pauline Oliveros, seja ela nos campos da música experimental, electrónica ou improvisada. De há muito reverencio o trabalho da fundadora do projecto Deep Listening Institute, um espaço multi-referencial onde, numa perspectiva global, se aborda a música nas suas mais variadas manifestações, nas relações com a literatura, as artes plásticas e as artes digitais, um viveiro de novas e interessantes experiências, que também é um espaço para a reflexão teórica, a performance, a gravação e a edição discográfica, sem descurar a promoção de novos artistas. Pauline, uma das grandes figuras da música do Séc. XX, tem uma extensa discografia, infelizmente pouco conhecida fora do meio em que trabalha, mas sem dúvida merecedora de uma atenção mais alargada. Neste disco de Janeiro de 2008, intitulado Accordion Koto (Deep Listening), Pauline Oliveros toca acordeão acompanhada pela kotista japonesa Miya Masaoka. Os resultados são deveras interessantes, não apenas pela invulgar combinação instrumental entre o acórdão e o koto, cordofone originário da antiguidade japonesa, que Masaoka ligou a um laptop preparado com um sistema de projecção laser, mas sobretudo pela experiência que o ouvinte pode ter ao apreender o som como uma esfera em flutuação que se expande e retrai em volume, algo que as artistas vão gerindo através da tensão que nasce dos sons delicados dos seus instrumentos, de uma maneira encantatória. Interagem entre si e connosco, de modo a afazer-nos participar activa e conscientemente no processo através do acto consciente e deliberado de escutar atentamente. Este é um tipo de experiência que tem muito a ver com a meditação, disciplina que ambas as artistas cultivam, e tem a ver com a concentra no acto de respirar e toma consciência dos detalhes mais particulares do mundo sonoro que existe dentro de nós e à nossa volta. O que vai ao encontro da atitude artística de Miya Masaoka, cujo interesse tem residido na investigação da microscopia sonora relacionada com elementos da natureza, como plantas, insectos e microrganismos; na projecção acústica das respostas fisiológicas do que é orgânico e das conexões que é possível estabelecer com formas de comunicação digital. O que chama a atenção para uma ideia central à música destas duas improvisadoras, a da procura do registo, em cada instante, da essência daquilo que é reconhecidamente familiar, porque inscrito na memória do ouvinte, e é feito regressar à superfície sob a forma de reminiscência, e do que é novo e irrepetível – a dialéctica entre o duradouro, sucessão de instantes passados, e o presente, que encerra em si o anúncio do imediato. Nada é estático; tudo está em movimento. E esta música celebra essa perene tomada de consciência.