É difícil lidar com o tempo, mais ainda quando se é um mito do Séc. XX, um ícone da cultura pop global ainda no activo. O dilema seria então fazer como Greta Garbo, sair de cena e aumentar a carga mítica, ou cantar até que a voz e a energia desapareçam no meio da rouquidão absoluta. Bob Dylan ainda não chegou a este ponto, mas enquanto não se decide – e já vai sendo tarde para a primeira opção – continua a ser o papa de uma religião com uma liturgia muito própria, a andar de terra em terra na evocação das memórias de um passado de lenda viva, já que o presente não ajuda e o futuro do ofício passar-lhe-á inevitavelmente ao lado. As leis da vida, dizem. Dylan, símbolo de duas maneiras de estar na música popular norte-americana, de uma guitarra folk que depois ligou à corrente eléctrica, gesto que provocou o primeiro de uma série de cismas, tais foram as heresias para os muitos dos seus seguidores de outros tempos. Agora, apareceu a empunhar não uma nem outra das guitarras, mas a tocar um órgão de som desenxabido que, se não fosse tão murcho, pareceria até uma saudável provocação. Mas não foi. Em palco, viu-se um Dylan estático, sempre de lado em relação ao público, vestido num estilo Nashville conservador, chapéu largo e fato escuro, de risquinha branca na perna da calça. Os membros do grupo, todos de escuro e de chapéu preto, compunham uma imagem vinda de um passado quase presleyano, tudo certo, tudo canónico, lânguido e previsível, a condizer com uma música igualmente fatigada, rhythm & blues e rockabilly mais dito que cantado, a valer sobretudo pelas memórias que acordou em quem conseguiu reconhecer as canções, de tão pachorrentamente transformadas. E não foi preciso ir muito longe, porque o alinhamento incidiu à volta de Modern Times, com ponto alto em Spirit on the Water, e fora dele, em Don't Think Twice it's Alright, Ballad of a Thin Man, Highway 61 Revisited e numa ou noutra que não deu para perceber bem, já tanto fazia, para rematar com o único tema em que o público vibrou um pouco mais e cantou por ele: Like a Rolling Stone. Once upon a time you dressed so fine... Quase pareceu que coisa pegara e ia começar naquele momento, mas não, estava concluída a missa e cumprida a devoção de ir a Algés ver o papa. Uma questão de fé, mais ou menos abalável, ou de Maria vai com as outras. Bob Dylan @ Optimus Alive!08 - 11.7.08