
A nova improvisação electroacústica japonesa vai dando os seus frutos. Um deles é 2006 1 27, que apesar da data de gravação, apenas agora saiu na lusa Mimi Records. São 38 minutos seguidos de um projecto de Daisuke Miyatani (n. 1982), denominado LOLICOM, em que participam Tatsuya Toyota, Motohiro Nakashima e Isao Nkgt. A música do quarteto, tal como em boa parte a de Daisuke Miyatani nos seus projectos a solo, recorre a sons de guitarra processados, xilofone, gravações e laptop. E ao mesmo tipo de corrente fragmentada de sons como pranchas de manga electrónica, notas soltas que formam um colorido conjunto em miniatura a que a nostalgia do dedilhado suave da guitarra dá um tempero contrastante com a animação geral.

Peça única (22’) de suave e lenta construção, num progressivo aglomerar de peças e sentidos. A Glass Darkly revela o lado mais crepuscular de segue, alter ego do artista canadiano sediado em Vancouver, Jordan Sauer, vem ao de cima neste tipo de ambientes que lembram uma floresta ao entardecer, quando o sol no seu ocaso dá lugar às sombras que crescem horizontalmente à nossa volta. O efeito, criado pela técnica de justapor várias composições, de que resulta a mistura final, é acentuado pela utilização omnipresente do órgão analógico como um veio condutor que liga a guitarra de 12 cordas, piano, violino, melódica e percussão, contínuo sonoro sobre o qual borbulham eflúvios digitais de baixa luminosidade. Um convite à meditação e ao silêncio interior. Relaxante, tal como os trabalhos anteriormente publicados por Jordan Sauer na duckbay (editora que fundou e dirige), na silent season e na thinner/autoplate (esta última, temporariamente encerrada para reformulação), A Glass Darkly acaba de estrear na netlabel de Berlim Resting Bell, dirigida por Christian Roth. Imagem de capa da autoria de Nicholas T. (Lackawanna State Forest, Pennsylvania, EUA).

Já ouviram falar no Conet Project? E em numbers stations? A pouco e pouco, a obesseão de um homem, Akin O. Fernandez, que nas noites de insónia se entreteve a sintonizar, ouvir e registar longas séries de números debitados um pouco por todo o mundo, deu origem a um culto fascinante. Neste tempo em que códigos e segredos dão a volta à cabeça de muita gente com e sem miolo, este é um manancial de sons a que não falta mistério e um potencial de interesse acrescido. Poder-se-ia pensar hoje que era coisa de museu, mas não: dos tempos da Guerra Fria, quando os números voavam aos magotes de um lado para o outro do Muro de Berlim, às guerras quentes da actualidade; dos cartéis da droga e de todos os tráficos à espionagem industrial, toca a debitar números encriptados via ondas curtas, seja por adultos, homens ou mulheres, rapazes ou raparigas, crianças ou máquinas. E há mistérios como este: porque é que ainda há emissoras deste género na Europa de Leste a emitir séries de números 24 horas por dia? Os ficheiros que o archive.org disponibiliza em The Conet Project - Recordings of Shortwave Numbers Stations [ird059] já foram descarregados 408 887 vezes, até 29 de Junho de 2008. A edição em CD, de 1997 (One, Two, Three, Four), também tem tido muita saída. Matt Cowan, da rádio norte-americana NPR, conta a história em 8 minutos. E fica-se a perceber onde é que muito boa gente da pop às electrónicas tem vindo buscar inspiração (e sons) para compor as suas bizarrias musicais... Neun, sieben, fünf… Achtung!

WOODS - 05.07.2008
Parágrafo, Cais do Ginjal, Cacilhas
Sexta, 1 Ago 2008, 21h30 - Anfiteatro ao Ar Livre
Otomo Yoshihide New Jazz Orchestra feat Axel Dörner, Cor Fuhler, Mats Gustafsson (Japão, Alemanha, Países Baixos, Suécia) O. Yoshihide (condutor, guitarra), Kahimi Karie (voz), Kenta Tsugami (sax alto, soprano), Alfred Harth (sax tenor, clarinete baixo),Sachiko M (sinewaves), Kumiko Takara (vibraphone), Hiroaki Mizutani (contrabaixo), Yasuhiro Yoshigaki (bateria, trompete), Masahiko Okura (sax alto, clarinete baixo, carrilhão), Taisei Aoki (trombone), Ko Ishikava (sho), Taku Unami (objectos), Yoshiaki Kondoh (desenho som) |
|
Sábado, 2 Ago 2008, 15:30 - Auditório Dois
«Last Date» Filme documental sobre Eric Dolphy com a presença do realizador, Hans Hylkema |
|
Sábado, 2 Ago 2008, 18:30 - Auditório Dois
«A Bookshelf On Top Of The Sky» Filme documental sobre John Zorn com a presença da realizadora, Claudia Heuermann |
|
Sábado, 2 Ago 2008, 21:30 - Anfiteatro ao Ar Livre
Satoko Fujii Min-Yoh Ensemble (Japão/EUA) S. Fujii (piano), Natsuki Tamura (trompete), Curtis Hasselbring (trombone), Andrea Parkins (accordeon) |
|
Domingo, 3 Ago 2008, 18:30 - Auditório Dois
PAAP (Japão) Inada Makoto (contrabaixo, voz), Katori Koichiro (piano, accordeon, voz), Mizutani Yasuhisa (sax soprano, clarinete, flauta, percussão) |
|
Domingo, 3 Ago 2008, 21:30 - Anfiteatro ao Ar Livre
John Zorn / Fred Frith (EUA, RU) John Zorn (sax alto), Fred Frith (guitarra eléctrica) |
|
Quinta, 7 Ago 2008, 18:30 - Auditório Dois «Misha Mengelberg Afijn» Filme documental sobre Misha Mengelberg com a presença da realizadora e montadora Jellie Dekker e editor de som Dick Lucas |
|
Quinta, 7 Ago 2008, 21:30 - Anfiteatro ao Ar Livre
Taylor Ho Bynum Sextet (EUA) T. Ho Bynum (corneta), Matt Bauder (sax tenor, clarinete, clarinete baixo), Mary Halvorson (guitarra eléctrica), Jessica Pavone (viola, baixo eléctrico), Tomas Fujiwara (bateria) |
|
Sexta, 8 Ago 2008, 15:30 - Auditório Dois «The Changing Scene» Mesa Redonda moderada por Bill Shoemaker com a participação dos músicos Joe McPhee, Taylor Ho Bynum e Mary Halvorson |
|
Sexta, 8 Ago 2008, 18:30 - Auditório Dois
Memorize the Sky (EUA) Matt Bauder (sax tenor, clarinete, clarinete baixo, percussão), Zach Wallace (contrabaixo, vibrafone, percussão), Aaron Siegel (tarola, bombo, percussão) |
|
Sexta, 8 Ago 2008, 21:30 - Anfiteatro ao Ar Livre
Sylvie Courvoisier Lonelyville (Suíça, França, Japão, EUA) Sylvie Courvoisier (piano), Mark Feldman (violino), Vincent Courtois (violoncelo), Ikue Mori (laptop), Gerald Cleaver (bateria) |
|
Sábado, 9 Ago 2008, 15:30 - Auditório Dois
Fritz Hauser (Suíça) Solo percussão |
|
Sábado, 9 Ago 2008, 18:30 - Auditório Dois
Pascal Contet/Barre Phillips (França, EUA) Pascal Contet (acordeon), Barre Phillips (contrabaixo) |
|
Sábado, 9 Ago 2008, 21:30 - Anfiteatro ao Ar Livre
Peter Brötzmann Chicago Tentet (Alemanha, EUA, Suécia, Noruega) Peter Brötzmann (clarinete, taragot, sax alto e tenor), Mats Gustafsson (sax barítono, slide sax), Ken Vandermark (clarinete, sax tenor e barítono), Joe McPhee (trompete, sax alto), Johannes Bauer (trombone), Jeb Bishop (trombone), Per Ake Holmlander (tuba), Fred Longberg-Holm (violoncelo), Kent Kessler (contrabaixo), Paal Nilssen-Love e Michael Zerang (bateria)
|


Gary Bartz - Libra / Another Earth
(Milestone, 1967/68)
Jimmy Owens / Albert Dailey / Richard Davis / Billy Higgins
Pharoah Sanders / Charles Tolliver / Stanley Cowell / Reggie Workman / Freddie Waits
Dois grandes clássicos do saxofonista alto Gary Bartz, num cacho da Milestone. Influenciados por Max Roach e pela estética da Strata-East, de Charles Tolliver, Libra e Another Earth marcaram o início da carreira de Bartz como líder, ele que acabou por ficar mais conhecido como sideman de figuras como Miles Davis, e, como tal, um dos menos valorizados saxofonistas e compositores da história do jazz. De qualquer modo, Libra e Another Earth são dois excelentes exemplos do melhor soul jazz pós-Coltrane de finais de 60. Andava Bartz pelos 26, 27 anos e já a sabia toda.

Dronologia elevada aos píncaros. Uma experiência e tanto.

Estreia da
Impressus Records com um título do pianista italiano
Tonino Miano, fundador da editora, músico que toca e ensina em Nova Iorque desde 1993. Miano, em duo com o trompetista
Mirio Cosottini, do
Music Improvisation Research Group (GRIM). O ambiente de
The Curvature of Pace (curioso trocadilho com a curvatura do espaço, da teoria da Relatividade de Einstein, que, metendo a força gravitacional ao barulho, recusou a ideia euclidiana de espaço-tempo plano) é de pura improvisação livre, por dois músicos que se conheceram encontraram há cerca de uma década, gravaram esta sessão. À época, a opção foi deixá-la “estagiar” durante uns anos, para depois ouvir como soaria. Tempo passado sobre o registo, a música revela-se fresca, inventiva e exploratória de uma grande variedade de registos. Um tipo de experiência que estimula e desafia o ouvinte, através da projecção a várias velocidades de imagens sonoras fora do vulgar, contínuas e fracturadas. Sons ácidos de trompete combinam com o pendor mais melódico do piano, num agridoce cativante. Quanto mais se ouve mais se gosta.

John Zorn - A Tribute to Derek Bailey
Outro re-up a não perder. John Zorn e os compadres Bill Laswell, George Lewis, Milford Graves, Tony Oxley e Gavin Bryars, homenagearam mestre Derek Bailey. Zorn gravou com ele discos tão importantes como Yankees, Harras, Mirakle, Saisoro e o último em que estiveram juntos, Ballads. O tributo teve lugar durante a residência de John Zorn no Barbican, em Londres, durante dois dias. Ao segundo dia, Zorn estreou Crowley At The Crossroads, peça para voz e médio ensemble, com Mike Patton, Trevor Dunn, Joey Baron e a London Sinfonietta. Foi a 17 e 18 de Junho de 2006. John Zorn's Tribute to Derek Bailey - Live At The Barbican, London, são 44 preciosos minutos, apresentados de um fôlego. Como é de bom tom avisar, algumas partes, aquelas em que Zorn está particularmente endiabrado, levam o carimbo de "not for the faint of heart".


As famosas gravações islandesas, realizadas pelo britânico Simon Whetham foram republicadas. Quem as perdeu pode agora chegar a conhecer este material absolutamente invulgar. Algo muito para lá de meras field recordings, os sons recolhidos e tratados em estúdio constituem autênticas composições estruturadas e um retrato sonoro da paisagem natural da Islândia, com e sem espécie humana presente. A ideia nasceu no âmbito de um projecto iniciado em Dezembro de 2005. Simon Whetham partiu para os gelos da Islândia integrado numa expedição/residência que incluía criadores das artes visuais. O objectivo era fazer interagir som e imagem, criando um fundo sonoro a partir de gravações de campo, que, por sua vez, inspiraria as criações dos artistas visuais. O resultado a que Whetham chegou, com autonomia estética em relação às imagens, veio a ser editado em 2006, na editora britânica agora desactivada, a Filament Recordings, sob o título Dark Light Audio Tracks. Surge agora a reedição de Dark Light na Earth Monkey Productions, editora talhada para este tipo de projectos, ao mesmo tempo que publica uma remistura da obra, denominada A Dark Light - Winter Lights Edition.

"Sneak Preview Screening Celebrating Werner Herzog's 'Encounters At The End Of The World' plus live improvising ensemble from the film playing to deleted underwater scenes"
«Following some excerpts from the forthcoming Herzog film (which Henry produced and created original music for with David Lindley), the band improvised a live score to a screening of "Under The Ice," Henry's short film of his underwater cinematography (comprised of diving scenes that were not used in the final version of the feature film)».
Henry Kaiser - guitar; Cheryl E. Leonard - glassware, viola; Bruce Ackley - soprano saxophone; Jen Baker - trombone; Damon Smith - bass; William Winant - percussion.

«Two left hands on two right arms is a small nonprofit netlabel with a base in Sweden (Gävle). Ambient, avantgarde, electroacoustic, industrial, dark ambient and similar».

Com este calor, só assim...

Explorations in Sound, Vol 3: Music of Sound - Various Artists
[furthernoise.org]
Music Of Sound is a compilation of sound works inspired by the tones, drones and rhythms of everyday life. Drawing on the ideas of Pierre Schaeffers’ Musique Concréte movement, contributing artists were invited to respond to the tones, timbre and rhythms present in everyday acoustic sound, and field recordings. The resulting collection of tracks is an innovative and eclectic set of contributions from a wide group of international sound artists known for their work in this field.
Curated by Roger Mills

Uma das primeiras concepções do compositor polaco de música experimental Zbigniew Karkowski (Cracóvia, 1958), artista cuja formação musical decorreu na Suécia, Holanda e França, onde estudou com Iannis Xenakis, Olivier Messiaen, Pierre Boulez e Georges Aperghis. Actualmente, Zbigniew vive em Tóquio, onde mantém intensa actividade nos meios ligados à electrónica underground nipónica, do noise e do electro-industrial. Composta no final dos anos 80, a peça Uexkull foi originalmente editada em CD em 1991, na sueca Anckarström, de Gotemburgo. De então para cá o disco não foi reeditado e a edição original há muito que se esgotou. Entretanto, a Audio Tong obteve permissão para editar a obra nos formatos mp3 a 320kbps e AIFF. Uexkull é constituída por uma peça única com a duração de uma hora. Um longo drone de contrabaixo e electrónica analógica (sintetizador modular) servido por maquinaria pesada do tempo da Cortina de Ferro, que vai sofrendo mutações lentas e misteriosas. Ouvido com auscultadores e máxima concentração nos detalhes consegue-se apreender a enorme profundidade de campo e os fascinantes efeitos multidimensionais, indutores de efeitos psicotrópicos por sugestão. Participação fugaz da cantora alto Karin Westman. Tão discreta que mal se dá por ela. Uexkull não é para todos os gostos. Ler entrevista com Zbigniew Karkowski na Disquiet, de Marc Weidenbaum.

Sem sair do Brasil, terra de Hermeto Pascoal e de tantos outros nomes importantes na música global, regresso a Thelmo Cristovam e a um disco que baixei há algum tempo na Menthe de Chat. Falo de Distribuição Atmosférica, trabalho notável de gravações de campo, fitas e processamento electrónico a que regresso com frequência. Tal como ao disco com Fernando S. Torres, o fundador da Menthe, chat005 (real-time composition for trumpet, c-melody sax, concert flute, piezos, air-duster and processed feedback), de que gosto ainda mais. Thelmo Cristovam, esteta, improvisador e experimentalista de Olinda, Pernambuco, tem também um disco em preparação na portuguesa Creative Sources Recordings, um duo com Alípio C Neto. A não perder é Inneresteren, EP saído na francesa Earsheltering, tal como a quantidade de edições que tem vindo a lpublicar nos últimos anos, fora o que tem em arquivo.

Conta o Vagner Pitta, no Farofa Moderna, sempre atento ao que se passa aí por esse vasto Universo, a que não faltam Cecil na Terra e Ra, nosso Pai em Saturno: «Aproveitando a discografia de Trane, aqui vai o Cosmic Music, um disco póstumo com gravações divididas em duas partes. São quatro músicas, sendo que duas foram gravadas pelo grupo de Alice Coltrane em homenagem a seu marido. Nas sessões com Trane, temos um raro registro dele tocando clarinete-baixo».
Cosmic Music - John Coltrane
O trio brasileiro SÔNAX leva a sério a sua pesquisa de criação e construção de esculturas e ambientes sonoros com o propósito de intervir radicalmente sobre o espaço que se forma em ambiente triangular. Os detalhes do jogo dinâmico adquirem aqui uma importância primordial. É este encadeado de acidentes, formas e texturas que realça a sensação de movimento oscilante e descontínuo, que aviva o progressivo adensar do corpo sonoro, o aumento da pressão, logo seguida de distensão, silêncio e reagrupamento. Marco Scarassatti (Campinas, 1971), Marcelo Bomfim (São Paulo, 1977) e Nelson Pinton (Campinas, 1974) trabalham segundo o processo de improvisação e composição instantânea, versus electrónica em tempo real criada por Nelson Pinton. Wicleff Vianna toca cordas de piano no primeiro dos 11 temas (Takemitsu Garden), todos sob a direcção musical de Marco Scarassatti. Para resultado de composição electroacústica híbrida a que chega, o trio usa todo o tipo de bricolage a que pôde lançar mão, restos, resíduos, desperdícios diversos da sociedade de consumo feitos de diferentes materiais (plástico, madeira, pele, metal) postos a vibrar sob fricção, raspagem e percussão, bem como instrumentos convencionais (flautas, piano, guitarra, teclados, percussão) e manipulação electrónica em computador. Fragmentos inertes (re)criam organismos vivos, com eles compondo esculturas e ambientes sonoros como o que ilustra a capa da edição de Sônax. Estas instalações servem a possibilidade dupla, quer de fruição plástica e visual, quer de produção de som com valor musical, acrescido e refinado em directo com um módico de processamento electrónico. O trabalho do Sônax, globalmente bem equilibrado, apresenta uma poesia sonora de cores e tons suaves, que se estrutura de forma aberta e inesperada, nascida do imprevisível intercâmbio alquímico de sons novos criados por objectos antigos e por instrumentos convencionais. O que reforça a componente da interactividade audiovisual, construída em função de diferentes estádios de evolução tecnológica, da mais básica, primitiva e artesanal, ao estado da arte do desenvolvimento electrónico aplicado à criação musical. Daí o disco soar simultânea e paradoxalmente a coisa antiga e a novidade, assumindo-se assim como uma proposta de relevante valor estético, musicalmente apelativa. Gravação de 2008, realizada no Vitrola Digital Studio, em São Paulo. Edição da Creative Sources Recordings.