Mestre das técnicas avançadas do clarinete baixo, o belga Jacques Foschia tem feito parte do caminho a tocar a solo, noutra parte a trocar experiências com improvisadores das Ilhas Britânicas, de que é exemplo a colaboração regular que tem vindo a manter com a London Improvisers Orchestra (The Hearing Continues, Freedom of the City 2001 & 2002; Responses, Reproduction & Reality; Freedom of the City 2005, publicados todos na britânica Emanem), enquanto organismo colectivamente considerado ou em segmentos de menor escala. Foschia, que toca todos os clarinetes, utiliza aquios elementos baixo e alto da família – e, neste caso, evoca o trabalho do francês Denis Colin (Clarinette Basse Seul, In Situ, 1990), embora menos incisivo e idiomático que dois outros grandes clarinetistas europeus, o suíço Hans Koch e o alemão Rudi Mahall – quando não está envolvido em projectos de rádio-arte experimental, actividade a que meteu mãos para produzir peças sonoras através de receptores de ondas curtas, mantém o hábito saudável de cruzar o Canal da Mancha, já que Bruxelas e Londres ficam a um pulinho. Para este disco a solo, duplo CD editado pela Creative Sources Recordings (CS #108), Jacques Foschia optou por considerar duas partes distintas: uma primeira, gravada em estúdio em Bruxelas, em 2006, que o músico dedicou a sua mãe, entretanto falecida; e uma segunda (disco 2), que mostra outra faceta do improvisador a solo, em vigorosos solilóquios registados diante de audiências em dois momentos diferentes, um em Bruxelas e outro em Londres, em 2007. Claire Obscure (a técnica da pintura a que o título alude tem aqui inteiro cabimento) exprime a relação dialéctica que atravessa por todo o disco, os contrastes de luz, sombra e penumbra; tensão e distensão. A música dá-nos a percepção das peças físicas que compõem o clarinete baixo, aerofone da família dos clarinetes, também conhecido como clarone, a que o instrumentista aplica toda a sorte de técnicas, das mais canónicas às mais heterodoxas. Foschia transmite-nos não apenas o som do instrumento nas suas regulares e extremas possibilidades acústicas, mas também as propriedades físicas daquele corpo, peso, forma e dimensão. Através do som rugoso do clarinete baixo é-nos visualmente sugerido o percurso e o tratamento do sopro no interior do instrumento, consegue-se perceber uma determinada quantidade de ar num dado momento a vibrar, a passar pela coluna e a sair pela campânula até se distribuir e projectar insidiosamente na panorâmica. Tudo se organiza em linhas rápidas verticais cruzam planos horizontais em contraponto, sobriedade de movimentos, lentos e espaçados, montagem instantânea que adquire suplementar qualidade dramática graças a uma sábia gestão do silêncio, que sublinha e antecipa. Frases curtas, melodias breves, sons esparsos, micro ligações entre segmentos que se acoplam naturalmente, como uma rede de capilares alimentada por uma imaginação rica, capaz de engendrar soluções instantâneas muito para além do que seria óbvio. Improváveis e inesperadas cartas que, como por magia, surgem das mangas do seu fato de clarinetista. Produção de Ernesto Rodrigues. Design gráfico (excelente, como sempre) de Carlos Santos.