A estreia da Exploding Star Orchestra, com We Are All from Somewhere Else (Thrill Jockey) tinha deixado perceber que, depois da consolidação e do acamar das diferentes peças de um organismo complexo constituído por dezena e meia de improvisadores, o passo seguinte haveria de ser ainda melhor. E a confirmação do potencial evidenciado no disco de abertura está neste segundo volume da Exploding Star Orchestra. E há motivo de festa: Bill Dixon a bordo. No encontro pessoal travado no Guelph Jazz Festival de 2006, o cornetista Rob Mazurek convidou o trompetista, professor, pensador do jazz, artista plástico e compositor para escrever e tocar com a fina-flor de Chicago: Nicole Mitchell (flauta), Matt Bauder (clarinete baixo e saxofone tenor), Jeb Bishop (trombone), Josh Berman (corneta), Jeff Parker (guitarra), Jim Baker (piano), Jason Adesewicz (vibrafone, tubular bells), Matthew Lux (guitarra baixo), Jason Ajemian (contrabaixo), Mike Reed (bateria, percussão), John Herndon (bateria) e Damon Locks (voz). Situar musicalmente a ESO leva-nos às duas últimas décadas de Chicago, à memória cósmica da Arkestra e aos desenvolvimentos do jazz pós-AACM (Chigago Underground) e ao pós-rock mais inventivo (Tortoise), de que Rob Mazurek tem feito a súmula nos seus próprios projectos e naqueles que fomenta e instiga. Em parte colaboração e homenagem de Chicago à obra do grande Dixon, músico de Sun Ra e de Cecil Taylor (Conquistador, 1966), co-fundador da Jazz Composers Guild, personalidade que em 2007 recebeu do Vision Festival o prémio Lifetime Recognition; noutra parte, afirmação do talento e criatividade de músicos de gerações mais recentes, Bill Dixon with Exploding Star Orchestra (assim se intitula o disco) tem muito das duas ideias, mas vai mais longe, ao marcar posição de relevo no apagão criativo que, salvo uma ou outra valorosa excepção, tem marcado o panorama do jazz actual, americano e europeu.
Uma experiência catártica como esta de juntar a sabedoria de Dixon ao sangue na guelra do colectivo, de duas uma: ou se saldava num revivalismo serôdio, passadista e fracassante, bom para dar umas voltas pelo mundo para exibir o lado frívolo da coisa, ou embarcaria decididamente num projecto sério de resultados artísticos relevantes, algo que acrescentasse valor e substância àquilo que já se conhece e tão repisado tem sido. Venceu claramente esta segunda via, em parte porque os músicos, além de saberem tocar, sabem ouvir-se uns aos outros, entrar e sair na altura certa. Rob Mazurek optou e bem pelo registo ao vivo, para melhor captar o espírito e permitir a Bill Dixon e a toda a gente expor a sua visão particular no plano individual, da secção e do conjunto alargado. Nessa medida, a gravação permite o enfoque na nuance e no pormenor de cada instrumento de per si, sem descurar um lado épico moderado, outro dos aspectos que concorre para o sucesso artístico do projecto.
O disco inclui três composições, duas de Bill Dixon, Entrances/One (18’09) e Entrances/Two (18’11), e uma de Rob Mazurek, que faz a ponte entre aquelas duas, Constellations for Innerlight Projections/For Bill Dixon (24’12). Três suites em sucessivos quadros, que combinam as cores da escrita com as da livre-improvisação. De entre uma infinidade de pontos de interesse desta ambiciosa realização, destacam-se as impressionantes sequências de luz e sombra, de timbre e textura, construções que se fragmentam sob os solos de Dixon, acolitado pelas cornetas de Mazurek e de Berman, com o suporte do melhor som de Chicago. O mentor da façanha e a Thrill Jockey bem podem orgulhar-se do extraordinário resultado a que chegaram. Antes que alguém se lembre de me perguntar, aqui está a minha aposta para disco de jazz de 2008. Distribuição em Portugal: Dwitza.