Ando a ouvir vozes no sótão. Em pré-lançamento pela alemã Pirouet Records, Voices, o segundo volume das New York Trio Recordings, projecto tripartido a que o pianista norte-americano Marc Copland deitou mãos em 2006. Tríptico que se iniciou com Modinha, um dos grandes discos daquele ano, em trio com Gary Peacock e Bill Stewart. Em Voices, da formação anterior permanece o contrabaixo de Gary Peacock. A bateria é de Paul Motian, o que faz muita diferença, sobretudo na forma delicada como a música passa a respirar, suavemente e por todos os poros. Voices… Cruzamento de linhas de alta tensão, pontos luminosos que se unem e dão sentido a este universo pessoalíssimo que é o de Marc Copland, americano tranquilo, o mais intimista, inteligente e intemporal dos pianistas em actividade. Artista do instante que já não é, da transição para o que há-de vir, do entrelaço com vestígios de memória (All Blues, de Miles Davis, na mais bela das versões), Copland é o artífice por excelência, ouve e faz ouvir sons que não se supunha existirem nas cordas do piano. Afinal, o que é que ele faz que outros grandes pianistas não tenham feito, perguntar-se-á. A resposta está na melhor combinação entre saber ouvir a partir de vários pontos, de dentro e de fora (Copland foi saxofonista antes de se dedicar por inteiro ao piano, o que só aconteceu, por opção pessoal, aos 35 anos), técnica apurada, sofisticação harmónica e melódica, lirismo, bom gosto e controlo sobre as dinâmicas, uso muito particular do pedal, nuance e complexidade. O resultado é este esmerado trabalho em triálogo sobre as componentes essenciais da representação do invisível, música refinada e profundamente poética. Voices, produzido por Jason Seizer, tem edição prevista para 24 de Setembro próximo pela Pirouet, editora de Munique, e distribuição portuguesa pela Dwitza.