Ernesto Rodrigues / Manuel Mota / José Oliveira + Nuno Torres, em concerto na Cafetaria Quadrante, do Centro Cultural de Belém, Lisboa, no âmbito do programa Jazz às 5as (21.06.2007). A primeira parte serviu para o grupo tomar a temperatura à sala, cheia com um público heterogéneo, entre curiosos, desatentos, palradores compulsivos, e uma larga maioria de público disponível para se deixar desafiar pelo desconhecido. Ajustados os níveis, feito o aquecimento e preparados os processos, o quarteto arrancou então para uma segunda parte a todos os títulos memorável. Desde logo, pela empática associação entre o trio formado por Ernesto Rodrigues (violino), Manuel Mota (guitarra eléctrica) e José Oliveira (percussão), três dos mais destacados improvisadores da cena lusa, com muitos anos de experiência nos mais diversos cruzamentos e intersecções. À partida o desafio era deveras interessante, posto que Rodrigues, Mota e Oliveira são uma fórmula testada, capaz de nos surpreender pela qualidade e diversidade da oferta estética em cada momento. Ao trio base inicialmente previsto e anunciado, juntou-se o saxofonista alto Nuno Torres. Excelente ideia, aditar este reforço de última hora. Porque o som de Torres tem propriedades acústicas que casam na perfeição com as demais. Daí a naturalidade com que entrou no fluxo, acrescentando um som de saxofone moderno e personalizado.
Para o Jazz às 5.ªs do CCB, a proposta do trio passado a quarteto foi pensada e mentalmente estruturada como uma sessão de improvisação livre, desenvolvida em várias direcções, reconhecíveis como pertencentes às estéticas da livre-improvisação europeia, da música contemporânea de base escrita, e do free jazz moderno, neste último caso, com poucos pontos de contacto com o vocabulário do free clássico, mesmo quando, numa passagem ou outra, se sentisse a presença espiritual do Revolutionary Ensemble, de Jerome Cooper, Leroy Jenkins e Sirone.
Iniciado o andamento, ressaltou de imediato a afinada disciplina de grupo, combinada com a mais ampla liberdade de comunicação, sem quebras ou hesitações na gestão das dinâmicas. Momentos meditativos, subidas graduais de intensidade, trajectórias de crescente tensão, controlo e explosão multicolor.
Nas duas peças de fundo, e a nível individual, destaque para a percussão assertiva e multicolor de José Oliveira, a abrir espaços para as entradas do violino de Ernesto Rodrigues, com passagens expressivas por toda a gama de registos, secundado pela guitarra pós-Bailey, electrizante, esfalfada e virada do avesso, de Manuel Mota, e pela sobriedade rica e elegante do som do saxofone alto de Nuno Torres, que, conhecendo embora as invenções de Evan Parker e John Butcher, segue a sua própria via de afirmação por paragens onde também se pode encontrar o saxofonista francês Heddy Boubaker, por exemplo.
Mais importante que pôr em evidência o trabalho individual de cada improvisador, importa referir que o concerto valeu sobretudo pelo trabalho de escultura sonora. Nessa medida, assinale-se a forma empática como os quatro músicos souberam ouvir-se, reagir e interagir. Musicalidade e controle da energia articulados modo a fazer funcionar o processo criativo enquanto actividade de grupo – o fulcro da música improvisada moderna.