A história conta-se em poucas palavras, e já circula ladina e veloz pela blogosfera: João Bonifácio, jornalista do Público, entrevistou o fadista Camané a 27 de Abríl último, para o suplemento Ípsilon, daquele jornal (capa com foto em grande plano do rosto do fadista), a propósito da anunciada interpretação de canções de Jacques Brel, Charles Aznavour e Sinatra, entre outros. De Brel, Camané interpretou "Ne Me Quitte Pas". Recordemos parte da letra da canção:
"Laisse-moi devenir/ L'ombre de ton ombre/ L'ombre de ta main/L'ombre de ton chien".
Comenta João Bonifácio: "É das canções de amor mais desesperadas que já alguém escreveu: «Deixa-me ser o ombro do teu cão…». Camané acrescenta: «Ele queria ser o ombro do cão dela porque queria estar ao pé dela, não queria que ela o deixasse. E nessa fase da canção existe o desespero: nem que seja uma mosca à tua volta, o ombro do teu cão, qualquer coisa, mas que eu possa estar ao pé de ti.» O ombro do teu cão?! Quer dizer: nem o jornalista Bonifácio nem o fadista Camané sabem que em Português "ombre" significa "sombra"! Nem cantor, nem jornalista, nem editor ... um mimo! Os versos «deixa-me ser a sombra da tua sombra/ a sombra da tua mão/ a sombra do teu cão», transformaram-se em «deixa-me ser o ombro do teu ombro/ o ombro da tua mão, o ombro do teu cão». O ombro do teu cão?! O jornalista Bonifácio não fez o trabalho de casa, não percebe patavina de francês, não consultou o dicionário e - pior! - não achou estranho que Brel, com aquela sua interpretação sofrida e pungente, estivesse a dizer uma patetice tão grande, como «deixa-me ser o ombro do teu cão». Por seu lado, o fadista Camané, interpreta uma canção sem se preocupar muito com o que está a cantar; para ele tanto lhe faz estar a cantar um poema soberbo, como um chorrilho de asneiras. Para ele, é tudo chinês (ou francês, tanto dá…) Já agora, por que não traduzir "Ne Me Quitte Pas" por "Não Me lixes, Pá!"? Rui Araújo, provedor dos leitores do Público, ainda viu mais... Moral da história: é a cultura, estúpido! Dá mesmo vontade de chorar no ombro de um cão... anda cá Bóbi.