Estreia do
Rodrigo Amado Quarteto, na
ZDB, ontem à noite, sexta-feira 13, em Lisboa.
Rodrigo Amado, saxofones tenor e alto;
Manuel Mota, guitarra eléctrica;
Hernâni Faustino, contrabaixo; e
Peter Bastiaan, bateria.
Apesar do esforço, da entrega e da honestidade com que se apresentou, a maior dificuldade que o grupo experimentou foi a de encontrar uma base comum de comunicação estável entre si e com o público. Fases houve em que o quarteto se partiu claramente em dois. Rodrigo Amado e Hernâni Faustino, claramente a quererem levar o andamento para os mais amplos territórios do jazz, fosse a opção pelo free moderno ou pela reformulação actualista das velhas instâncias do bop, free bop, por assim dizer. Nesse interim, enquanto uns tentavam testar soluções, em fase de estudo e de tomada da temperatura ambiente, dentro e fora do grupo, a ver qual o melhor caminho a seguir, Manuel Mota, numa noite em que primou pelo excesso de presença e de volume sonoro (melhor soaram os momentos em que destrinçar entre a oportunidade se se fazer ouvir e a de deixar ouvir os outros) revelava um inesperada dificuldade de adaptação fora das estéticas que habitualmente cultiva, as da livre-improvisação não idiomática. Problema maior foi o grupo ter andado a tempo inteiro à procura duma linguagem a quatro, apenas ocasionalmente encontrada e, quando assim foi, não aproveitada. Em lugar de confluir para um espaço comum de conversa franca a quatro vozes, equilibrada nas proporções, predominou a permanência, sem grande convivialidade, de duas matrizes, duas linhas paralelas que apenas episodicamente se encontraram, por falta de sentido de convergência, salvo nos tais breves momentos em que todos falaram a mesma língua franca. Sintoma deste problema, o swing distribuído por Hernâni Faustino não se aguentava mais do que alguns minutos, por falta de aproveitamento sustentado; passava-se de imediato ao groove, a laivos de funk e logo a free improv – mais às apalpadelas, a “experimentar” fórmulas de entendimento colectivo, do que a exibir um discurso sólido, conscientemente construído e estruturado em termos de fluidez e de vocabulário, à procura de um rumo esclarecido. Neste capítulo, funcionou melhor o segundo set, limados alguns aspectos que tinham ficado por resolver na primeira parte, mercê da percepção, deliberada ou intuitiva, de que alguma coisa teria de ser mudada em relação ao que se passara na primeira metade, algo massuda e esteticamente indefinida. Problemas de direcção e de afirmação duma linha coerente, ainda que multipolar, e de definição duma base sólida a partir da qual, então sim, seria possível desenvolver toda a capacidade instrumental e vasto potencial que inegavelmente existe. Outro problema foi a demasiada extensão dos temas, facto que prejudicou a concisão, a concentração (dos músicos e do público) e a clarividência na exposição das ideias individuais e colectivas, cuja maior parte se perdeu no desenho incipiente, a carecer de muito trabalho de casa. Peter Bastiaan deveria ter percebido mais que uma vez o que os outros músicos haviam intuitivamente compreendido – o sentido de coda, o tempo próprio para encerrar cada tema e tentar nova abordagem no seguinte, sem repetições nem indefinições. Free music não é sinónimo de aleatoriedade nem de apontar para onde apetece, e implica um apertado domínio do ego. Uma questão de liderança, mais, a repensar para evoluir. Tudo aspectos a reformular em próximas apresentações, caso Rodrigo Amado pretenda levar por diante o trabalho com este grupo, que deixou perceber mais potencial que resultado efectivo. No fundo, quatro músicos à procura de um quarteto. Neste domínio, as inevitáveis comparações com outra formação liderada por Rodrigo Amado, o Lisbon Improvisation Players, põem em evidência a necessidade de estabelecer previamente uma base comum de entendimento, a partir da qual se possa construir um discurso coerente. Seja como for, e apesar dos relativos flops identificados, acabou por ser uma sessão simpática, embora aquém das expectativas, face ao que estava em perspectiva. Riscos próprios, embora limitáveis, duma forma de criação artística sem rede.