O norte-americano Wade Matthews, saxofonista, clarinetista, electronicista, especialista em composição electroacústica com grau académico atribuído pela Universidade de Columbia, esteve recentemente em Portugal para um conjunto de apresentações em diferentes contextos e locais. Ouvi-lo tocar ao vivo foi um grande prazer, que agora recordo através da audição de dois dos três discos que recentemente publicou na discográfica portuguesa Creative Sources Recordings. É o caso, primeiro, da gravação que realizou com Ingar Zach. Wade Matthews e o percussionista norueguês, colaborador de luminárias como Derek Bailey, Michel Doneda, Rhodri Davies e Jon Balke, entre outros, co-director da editora de música improvisada nórdica SOFA, ambos a viver com um pé em Espanha há alguns anos, acabam de publicar Mørke–Lys (cs057). Explorações intensivas de timbres e texturas de fonte electrónica e acústica, que se ajustam numa infinidade de frequências. Sons que vão do estalido breve e isolado ao limiar do ruído branco (white noise), quando aquelas frequências se juntam produzindo um efeito sonoro semelhante ao da luz branca, que tudo ofusca com o seu brilho intenso. É, aliás, na relação dialéctica entre luz e trevas que se desenvolvem os seis quadros de síntese musical, realidade e simulação de sons digitais e analógicos, fricção de metais, sons percussivos de peles, madeiras e plásticos, vasto leque de texturas. Oscilações, ciclos, contraciclos, vibrações da matéria em exercícios de compatibilidade sonora.
Seis alegorias sobre as relações entre trevas e luz, ou como estas duas ideias se verbalizam em Inglês, Norueguês, Espanhol, Italiano, Alemão e Francês. De comum a todos os temas, há um núcleo incandescente que varia de intensidade, circundado por milhares de pontos de luz que rasga a escuridão, faíscas, chispas e faúlhas que estalam, brasas que cintilam, relâmpagos que cortam o ar em explosões luminosas com as mais diferentes gradações de cor num espectro sonoro de forte sugestão visual. Wade Matthews e Ingar Zach, reafirmando o compromisso com a música livremente improvisada, conseguem aqui um interessante equilíbrio de formas e intensidades, mescladas com bom gosto, conta, peso e medida. Um passo mais na mudança de paradigma em curso na música improvisada europeia, que aprofunda e investiga novas formas de organização de sons electrónicos e acústicos. Neste outro disco em que participa Wade Matthews, Dining Room Music (cs039), encontramos um quarteto formado por Quentin Dubost (guitarra), o próprio Wade Matthews (clarinete baixo e flauta alto), Stéphane Rives (saxofone soprano) e Ingar Zach (percussão), disposto em círculo na sala de jantar da Maison Bustros, um palacete situado em Beirute, Líbano. A gravação é de Agosto de 2004. A música, geralmente tranquila e em baixo volume, expõe toda a riqueza de padrões e complexidade da trama e da teia com que se tece, algures entre o lowercase e arroubos de maior expressividade. Ocasionalmente, há um ou outro som que rompe a barreira das frequências médias, sulcando o gratinado quase constante. As parcerias e combinações ad-hoc entre os dois franceses, o norte-americano e o norueguês, improvisadores de diferentes backgrounds e vocabulários, são bem demonstrativas da extrema versatilidade e adaptabilidade das estratégias individuais postas ao serviço de uma linguagem comum. A improvisação colectiva, que ocupa a maior parte dos 40 e poucos minutos de duração do disco, não anula a intervenção individual, sobretudo no tema final, permitindo que se ouça uma ou outra voz por cima da animada conversa, coisa normal durante um jantar. A luz que entra pelas janelas do palacete ilumina este festim de diferentes timbres instrumentais que se harmonizam em longas passagens, sem jamais perderem interesse e concentração. Duas vezes Wade Mattews, em duo e quarteto. Num e noutro caso, material de primeira qualidade.