Esta é mesmo para o braxtoniano mais retinto, daquele tipo que já investigou e aprofundou devidamente as concepções teórico-práticas que Anthony Braxton tem vindo a desenvolver desde há dez anos a esta parte, por ele designadas Ghost Trance Music (GTM). Quero com isto dizer que, mesmo para o conhecedor médio, esta Composition no. 247, para três instrumentos de sopro, gaita de foles (Matthew Welch) e saxofones alto e soprano (Anthony Braxton e James Fei), que se alonga sem intervalo por um minuto além da hora, é petisco de difícil degustação.
A inclusão da gaita de foles é, por si, um motivo de contentamento, porque raramente é utilizada na new music e na música improvisada. Paul Dunmall é dos poucos que, com relativa notoriedade e resultados consequentes, bem aperta os foles. O drone de gaita que ocupa os primeiros vinte e picos minutos, fazendo uso de todas as nove notas do instrumento, é de efeito hipnotizante (Braxton sabia que haveria de arranjar maneira de ultrapassar eventual resistência psicológica e fazer da frase longa uma forma de cativar o ouvinte...).
Apenas uma única vez antes desta (Composition no. 222, B. House), Braxton escreveu para uma instrumentação específica. Na verdade, tinha lido cobras e lagartos da Composition no. 247, que era intragável, uma enormidade insuportável, sei lá que mais. Nestas coisas, como em quase tudo, não há que dar muitos ouvidos a quem se assusta com pouco e se empanturra à primeira garfada de Braxton. Nada há aqui de muito extraordinário, no que à pretensa dificuldade da obra diz respeito. Trata-se, como define o interveniente saxofonista James Fei, de uma melodia articulada, sem fim à vista, que obriga os músicos a um empenhamento físico extraordinário, visto que exige respiração circular durante toda a execução da obra, rica em referências às tradições musicais de outras culturas, como a ameríndia e a asiática, melodia essa que vai ganhando e perdendo tralha pelo caminho, assim tomando sempre novos ciclos de cores, formas e texturas. É, afinal, Anthony Braxton a dar largas às suas concepções musicais da Ghost Trance Music, ciclo com as características requebras e súbitas mudanças rítmicas da partitura, o que consegue através de uma curiosa combinação instrumental, diferente daquela a que mais regularmente recorre. Difícil é apreender quais as partes escritas e quais as espontaneamente criadas, jogo que se torna interessante de jogar e cujo resultado é imprevisível, apesar de repetidas e atentas audições. Um exercício completo para a massa cinzenta. Este não é, seguramente, o Braxton mais acessível. Mas daí à enorme dificuldade ... . De qualquer modo, quem não tem treino na decifração do intrincado novelo talvez seja mais avisado procurar outras portas de entrada, que as há muitas e variadas.
Anthony Braxton - Composition no. 247 (Leo Records, 2001)