O mais recente trabalho da Peggy Lee Band, gravado em Abril de 2004 e editado pela canadiana Spool Records (Line 24, Improv Series), é um disco e pêras. Worlds Apart, é o título. Ouvido três vezes consecutivas, foi o suficiente para ficar muito bem impressionado com o trabalho, mais um, da senhora de Vancouver e seus rapazes. Na música de Peggy Lee, as melodias são um dos pontos fortes. Em matéria de composição, Lee funde harmoniosamente o jazz, o folk, a música contemporânea e adiciona-lhe uma pitada de rock que confere aos temas uma irresistível nota picante. A improvisação nasce no âmago do desenvolvimento temático, no desenhar das voltas em que as linhas melódicas se cruzam, descruzam e voltam a cruzar. Soltam-se pontas em várias direcções que se desenvolvem em simultâneo, no que faz lembrar o melhor Kenny Wheeler.
Ainda quanto às melodias, além das estruturas complexas habitualmente bem urdidas, também as há que mais se assemelham a simples esboços inacabados, que a compositora/violoncelista parece ter querido deixar propositadamente ao livre arbítrio criativo dos músicos para que delas fizessem o que bem lhes aprouvesse.
O que resulta é um trabalho exuberante, feito de cores suaves e ritmos ligeiros, com predominância para o traço fino, quase plano à superfície, sem acidentes geográficos de monta. Mas de uma profundidade tal cuja dimensão apenas se pode suspeitar às primeiras audições.
Nota máxima para o contraponto do trombone (Jeremy Berkman) com a trompete (Brad Turner), apoiados na guitarra eléctrica (Tony Wilson) e no violoncelo, instrumento que nas mãos da senhora Lee adquire um som cheio e inovador, elevando a violoncelista canadiana ao nível de alguns dos melhores compositores e executantes da actualidade, como Tristan Honsinger, Ernst Reijsiger e Eric Friedlander. Dylan van der Schyff merece destaque. Percussionista superior, tem um pulsar e uma noção do tempo que causa impressão. Mesmo quando não toca. Por vezes basta uma pedalada ocasional no bombo, dada no tempo certo que só ele conhece, para criar todo um feito dramático, um estremecer contagiante que empolga colegas e ouvinte, permanecendo todos, lá e cá, em total empatia.
Não é por acaso que o Canadá é de há uns anos a esta parte considerado uma grande potência da música improvisada moderna, uma entre as mais importantes linhas avançadas por onde rompe a improvisação actual. É nesse contexto alargado que se enquadra a música da Peggy Lee Band em geral, e este disco em particular, que aponta caminhos para um futuro cheio de excitantes aventuras.
Peggy Lee Band - Worlds Apart (Spool)