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27.1.05
 

Preach (Charles Gayle) at The Knitting Factory, NY, 1992 © Jeff Schlanger

A grande notícia para quem gosta de jazz, foi o lançamento ontem, dia 26 de Janeiro, de um novo disco de Charles Gayle, SHOUT! (Clean Feed). Charles Gayle, sax tenor / Sirone, contrabaixo / Gerald Cleaver, bateria.
Portugueses, não há que perder a esperança: nem tudo são más notícias. Ontem, por exemplo, houve duas excelentes, aquela que já referi, e a outra que deixou 6 milhões (pelo menos) muito satisfeitos. Enquanto houver música desta e bola daquela... Ah, e Santana está quase na rua, é verdade.
Este disco de Charles Gayle não tem paralelo: o saxofonista inicia aqui outra fase com novas aventuras já prometidas para saxofone alto, que seguem dentro de algum tempo. Shout! foi gravado em Lisboa, em 2003.
É-nos vedado ver a verdade directamente. Apenas nos é permitido ver a sombra da verdade, que se encontra no mundo exterior. Quando nos libertamos, apercebemo-nos do que se passa lá fora e ficamos deslumbrados, pela constatação das formas, que já não se apresentam exclusivamente planas, e das da cores, que recebem toda a gama de cambiantes. Platão tinha razão. Charles Gayle liberta.


Desde 2001 que se aguardava por uma gravação de Charles Gayle, em saxofone tenor. Quatro anos de interregno discográfico é muito tempo na carreira de um artista que, na actualidade, protagoniza um dos caminhos mais interessantes do jazz moderno em geral, e uma voz pessoalíssima no saxofone tenor, em particular.

Aí está uma nova gravação de Gayle, Shout!, retomando o fio de uma discografia generosa em quantidade e qualidade. Comparando com tudo o que o saxofonista gravou, Shout! é diferente no tom, na forma, direcção e densidade, mas não é menos verdadeiro e fiel ao princípio gayleano de tocar música de extrema beleza e espiritualidade.

Os biógrafos e críticos musicais que se debruçam sobre a figura de Charles Gayle, nado e criado em Buffalo, Nova Iorque (1939), são geralmente unânimes em fazer sobressair a fisicalidade e a intensidade das suas actuações ao vivo, bem como a sua quase mitológica ascensão a partir da condição de sem-abrigo, vivendo e tocando nas ruas e nos corredores do metro de Nova Iorque durante perto de vinte anos, até se tornar na "estrela" que hoje é nos meios restritos do jazz de vanguarda.

Raras são as figuras do jazz actual tão pouco consensuais, num espectro que vai da fervorosa admiração ao sobranceiro desprezo. Tal acontece porque Charles Gayle toca uma música que não deixa ninguém indiferente. Porque é extrema, visionária, crua e despojada, mas simultaneamente tão bela e extasiante quanto o pode ser a natureza em estado selvagem.

Gayle é um místico, um profeta de rua que fala aos homens sobre a sua visão pessoal da transcendência através do som que extrai do saxofone tenor, que aborda de forma electrizante. Sem ser um músico de escola, Gayle causa espanto pela emoção, invulgar capacidade técnica e coesão das suas improvisações. Se diz amar Armstrong acima de tudo, certo é que também cultivou Lester Young, Charlie Parker, John Coltrane, Cecil Taylor e Albert Ayler, influências que processou e incorporou numa música que evidencia os percursos que marcaram a criação da sua controversa persona.

Charles Gayle é o tenor mestre dos registo entre o médio e o altíssimo, o mais livre dos saxofonistas, no sentido em que se libertou de constrangimentos e espartilhos formais, mesmo quando aborda standards como I Remember You e I Can´t Get Started, incluídos em Shout!. Por esse facto, discos como os anteriores Homeless, Repent, Testaments, Consecration ou Daily Bread, para citar algumas das suas obras de referência, podem parecer peças difícil abordagem para o comum dos amantes de jazz. Porém, muito para lá de alguma aparente aspereza, nos oito temas de Shout!, disco que se aproxima mais do formato canção, é possível perceber-se um instrumentista delicado, cheio de soul, pleno de capacidade improvisacional e de ideias musicais, que confirmam a grande arte de um saxofonista de primeira água.

De entre os vários músicos que o têm acompanhado nos últimos anos, particularmente em trio – a formação que Gayle privilegia nas actuações ao vivo e em gravações –, Sirone é um contrabaixista de renome, que participou com saxofonista na gravação de Spirits Before, Homeless e Always Born. Nos anos 70, integrou o trio Revolutionary Ensemble e tocou com Marion Brown, Dave Burrell, Pharoah Sanders, Albert Ayler e Sunny Murray. Gerald Cleaver, de Detroit, tem sido companhia regular de Gayle. Baterista poderoso, de grande flexibilidade e profundidade, com Sirone forma a dupla perfeita para a realização deste novo empreendimento de Charles Gayle, que repõe em circulação a imagem sonora de um dos grandes improvisadores românticos da actualidade.




 


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