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21.1.05
 


Não é novidade para ninguém: Berlim está simultaneamente no centro geográfico da Europa e no coração da moderna música criativa europeia. Das electrónicas à improvisação acústica, passando por todos os cruzamentos e contaminações possíveis, na última década e picos, Berlim tem sido um caso à parte na produção de novos padrões estéticos e na reformulação de conceitos da new music e do jazz de vanguarda, enquanto urbe catalizadora de artistas das mais variadas geografias e de movimentos criativos em permanente fervilhar.
Cidade do festival Total Music Meeting, berço da editora Free Music Production (FMP), de clubes, concertos e festivais, Berlim desenvolve uma quantidade inumerável de micro-projectos editoriais que primam por exibir alguma da mais excitante improvisação livre do momento. É o caso da novel editora Absinth Records, casa que publica em Berlim o que o director Marcus Liebig designa por "records of pretty extreme music". Isso mesmo: pretty e extreme. Até à data, a Absinth Records lançou apenas quatro capítulos da mesma série dedicada a cidades, Berlin Reeds, Berlin Strings, Berlin Drums e Berlin Strings.
Como o título sugestivamente indica, o primeiro conjunto é composto por prestações a solo com instrumentos de palheta, apresentadas sob a forma de quatro mini-CD-R's, cada um de seu artista. Em pormenor, temos: CD-R 1, Alessandro Bosetti, saxofone soprano, eelctrónica; CD-R 2, Gregor Hotz, saxofone baixo; CD-R 3, Kai Fagaschinski, clarinete; e CD-R 4, Rudi Mahall, clarinete baixo. Alessandro Bossetti é um músico italiano, escultor de sons na vertente experimentalista e investigador em antropologia sonora. Como saxofonista soprano, interessa-se sobretudo pelo trabalho sobre toda a gama de técnicas associadas ao instrumento, que mistura com sons electrónicos. A sua participação em Berlin Reeds é notável e resulta da interacção entre o som do saxofone, previamente gravado, com o feedback gerado e misturado com a fonte inicial e sequente processamento electrónico. Nos restantes trabalhos da quádrupla edição de Berlin Reeds, os criadores exploram técnicas e aspectos composicionais variados, nos quais avultam elementos noise menos habituais nos respectivos instrumentos. É o caso do clarinetista, Kai Fagascinski, criador de paisagens sonoras de extrema sugestão visual, induzidas pela variabilidade do espectro dinâmico que o músico utiliza. Mais "auditivo" é o trabalho com saxofone baixo do suíço Greg Hotz. A técnica menos arrevesada, o timbre natural do instrumento e a coloratura que dele é retirada, tornam-no mais próximo de linguagens afins de um certo convencionalismo da new music. Rudi Mahall, conhecido por integrar o trio germânico Der Rote Bereich, a fechar o set desenha motivos abstractos tão nítidos e pormenorizados ao nível da microestrutura, como da grande escala, explorando dimensões insuspeitas no clarinete baixo. Quatro em um, Berlin Reeds é um disco soberbo. Berlin Strings, o segundo lançamento da Absinth Records, dá a conhecer o estado da arte da improvisação com cordofones. Em impacto, nível artístico e qualidade dos resultados conseguidos, não se afasta do precedente. Inclusivamente no formato: Strings surge empacotado em quatro mini-CD-R´s- CD-R 1, Serge Baghdassarians; CD-R 2, Andrea Neumann; CD-R 3, Michael Renkel; e CD-R 4, Olaf Rupp.
A toada desta sessão é geralmente mais tranquila, salvo um ou outro pico ascendente ou descendente. Prossegue a tarefa de exploração e investigação de novos sons, esculpidos a partir de fontes convencionais. Andrea Neuman trabalha no miolo do piano, dedilhando e percutindo as cordas, que depois reorganiza na mesa de mistura, obtendo efeitos sonoros que vão do mais subtil e inaudível, ao ruído forte e penetrante. Michael Renkel, subverte as guitarras acústica e eléctrica, esventra-as, mistura-as com a cítara e mergulha o preparado em líquidos electrónicos, que derretem os sons como ácido. Adiante, as cordas renascem das cinzas e regressam mais frescas que nunca, embebidas em flamenco e noutros sinais reconhecíveis. Olaf Rupp, coincidência ou não, pega na desbunda flamenco-desconstruída em grande aceleração, evoluindo depois para uma linguagem mais próxima da contemporânea improvisada, forma de expressão que cultivou na companhia de Lol Coxhill, Rudi Mahall, Sainkho Namtchylak, Paul Lovens e Butch Morris. Serge Baghdassarians, fecha a sessão com um tema de 18´20, que investe pelos territórios plácidos do minimalismo, via artes da guitarra aplicadas à produção sonora conjuntamente com um gerador de sinal, aparelhos electrónicos e mesa de mistura. Ao contrário dos artistas anteriores, Baghdassarians expurga o som de tudo aquilo que lhe parece irrelevante para a obtenção do átomo sonoro.
Berlin Reeds e Berlin Strings constituem exemplos paradigmáticos do trabalho editorial à volta da novas tendências da improvisação electroacústica que acontecem um pouco por todo o lado, e que têm na cidade alemã o epicentro de algumas das suas mais relevantes movimentações - um novo mundo sonoro que desponta na velha Europa.
A estas edições seguiram-se Berlin Drums, fantasmagóricas percussões solo de Burkhard Beins, Tony Buck, Steve Heather e Eric Schaefer; e London Strings, com trabalhos individuais de grandes artistas da cena improv britânica, como Mark Wastell, Angharad Davies, Rhodri Davies e Phil Durrant.
Edições limitadas a 200 exemplares cada, em embalagem atraente de cartão pintado à mão, com frente e verso ligados por costura com linha de coser. Conteúdo e continente longe dos padrões industriais massificados. No ouvir é que está o ganho.





 


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