Fixar as coordenadas, estabelecer o lugar do Ensemble 0, encontrar um ou mais pontos de apoio para o ouvinte se situar, não é tarefa isenta de riscos, na mesma medida em que a música aqui erigida se apresenta de modo avesso a quaisquer classificações, refractária a qualquer esforço de catalogação. Na melhor, o Ensemble Zero é um quarteto francês de composição/improvisação lowercase, composto pelo pianista Joël Merah, que assina Music of Wheel, composição que no original tem uma duração superior à do CD (no limite, chega a levar duas horas e meia de execução), daí que tenha sido opção deliberada do autor destacar 6 fragmentos da peça para inclusão no CD, confinado a uma hora e três minutos de duração total. A execução ficou a cargo, além de Joël Merah, em piano, do guitarrista Sylvain Chauveau, da violoncelista Maitane Sebastian e do trombonista Stéphane Garin, também em glockenspiel e címbalo. O curriculum dos membros do Ensemble Zero impressiona: trabalharam com o Ensemble Intercontemporain, sob a direcção de Pierre Boulez, com a Filarmónica de Tóquio, com Phil Durrant e Mauricio Kagel, entre outros, e editaram na FatCat, Ant-Zen, Type, Amanita, DSA, Ameson, e agora na Creative Sources. O Zero pega onde ficaram os avanços de John Cage e Morton Feldman, e fazem evoluir a música no sentido da completa simbiose entre composição prévia e criação instantânea, através de uma escrita totalmente aberta, na qual os espaços de som e de silêncio se articulam enquadrados por uma moldura virtual de extrema flexibilidade, fixada com reserva, contenção e dinâmica restringida ao mínimo. O paralelo nas artes plásticas encontrar-se-á no expressionismo abstracto de Mark Rothko e na sua criação de atmosferas e combinações de cor espaço e forma, de forma a transcender os símbolos e as referências comummente aceites e validadas pela prática reiterada de repetição de fórmulas sucessivamente reinventadas. A escrita de Joël Merah, caracterizada por privilegiar a mais ampla espacialização, decorrente dos aspectos aleatórios associados, facilita a apreensão da variedade tímbrica e a intersecção de diferentes planos, com um mínimo de sobreposição, favorecendo a criação de atmosferas de extrema limpidez. Enfim, uma música bela, cheia de espaços em suspensão e silêncios misteriosos, para fruir de maneira puramente emocional. Para meu gosto e satisfação pessoal, Music of Wheel é uma das melhores edições de sempre da Creative Sources Recordings.