Os créditos são dos mais elevados, como se sabe. A fama vem de longe, sucessivamente revista e aumentada pelo olhar que sobre ele foram deitando luminárias como Miles Davis, que mandava os pianistas dos seus primeiros grupos tocar como ele toca. A música de Miles, ela própria, deve muito às concepções de Ahmad Jamal. Se se atentar, por exemplo, na forma de tratar o espaço e o silêncio, no cromatismo e no tipo de progressão harmónica num e noutro caso, descobrem-se inúmeras afinidades entre eles. E ontem à noite (13 de Novembro), diante dos olhos e dos ouvidos do público presente no Grande Auditório do Centro Cultural de Belém, que enchia por completo a sala, percebeu-se porque é que Jamal tem sido motivo de inspiração para tanta gente, de há cinco décadas para cá. A verdade é que mestre Ahmad Jamal, 77 anos, tecnicista com alma, pianista de pianistas, deu um grande concerto com o seu quarteto maravilha. Assim foi, por todo um amplo conjunto de razões: tratamento do piano com extrema elegância, força percussiva e agilidade harmónica; variação dinâmica e verve lírica; mão esquerda poderosa, a gerir ritmo e harmonia, mão direita inefável e arrebatadora.
Belos arranjos orquestrais para novas e antigas composições, suas e de outros mestres, desfilaram ante um CCB rendido à beleza e à simplicidade de uma arte maior, jazz moderno de suave fragrância afro-latina. Aberto o set com Paris After Dark, seguiu-se Papillon e durante quase hora e meia assistiu-se ao desfile de temas enraizados na tradição, numa abordagem mais virada para o futuro, que para a repetição de fórmulas passadistas. E assistiu-se ao momento sublime da transfiguração de Salt Peanuts, de Dizzy GiIlespie, de Poinciana, do próprio Ahmad Jamal, e de muitas mais, executadas no inconfundível estilo policromo que é seu, que casa bem as virtudes do clássico com as do moderno e ainda se atreve a pisar o risco na exploração de novos territórios.
A resposta da secção rítmica foi sempre de nível superior, compondo um trio de piano (+1) de sentido dramático e narrativo fora do comum. James Cammack, contrabaixo, e o lendário Idris Muhammad, bateria, a que se somou a cor da percussão sensível e inteligente do porto-riquenho Manolo Badrena, ex-Weather Report e ex-Joe Zawinul Syndicate, elaboraram uma teia rítmica complexa e multidimensional, que elevou o quarteto às alturas. Uma experiência fantástica, ouvir Ahmad Jamal em quarteto e ao vivo. Justíssima, a enorme ovação final. Quem perdeu em Lisboa vá vê-lo ao Guimarães Jazz, dia 16 de Novembro. Dará o tempo (e o dinheiro) por bem empregues.