Em concerto no Stralau, 68, Berlim (local entretanto encerrado), em Agosto de 2003, Bertrand Denzler (saxofone tenor), Axel Dörner (trompete, computador), Daniel Erdman (saxofones soprano e barítono), Günter Müller (ipod, mini-disc, percussão e electrónica) e Michael Griener (bateria). Cinco nomes maiores da improvisação livre moderna europeia, especialistas do tratamento em directo do detalhe sonoro, exploram longas extensões horizontais que atravessam todo o espectro, tecem teia e trama de complexa urdidura, fundem sopros, sons digitais, percussão e processamento sonoro, com flexibilidade na articulação das ideias e apreciável interesse estético. A preparação desenvolve-se em movimentos de quase silêncio surgidos do nada, que crescem e se transformam em picos intensidade súbita, posto o que abandonam a panorâmica e desaparecem no espaço. A concentração e a sabedoria na gestão da mistura tímbrica versus tecitura textural, fazem o resto do trabalho, transformando o que à partida poderia parecer uma peça de difícil digestão numa viagem de interesse crescente por paisagens coloridas e variadas. O eixo principal de Stralau (2005) resulta do confronto entre as matrizes acústica e electrónica, e da aparente relação dialéctica entre elas, que se cria e resolve tanto pela via da oposição, como pela convergência, construída a partir de um elaborado equilíbrio de formas e proporções, tudo feito em tempo real, sem recurso à magia da produção em estúdio. É muito interessante observar a maneira como os cinco músicos diluem as fronteiras entre um tipo de abordagem instrumental dir-se-ia mais convencional, e outro que se poderia designar por não-idiomático (nesta acepção, o trabalho dos britânicos e veteranos AMM, poderia considerar-se o antepassado musical e ideológico directo da preparação montada em Stralau), de tal modo que questões como a de saber quem está tocar o quê, assumindo-se como um problema negligenciável, ainda assim, passa a ser de difícil resposta. Os talentosos Bertrand Denzler, Daniel Erdman e Axel Dörner, longe do tradicional papel atribuído aos sopros no combo de jazz, género que também praticam com assinalável sucesso artístico nos vários grupos em que participam, assumem aqui o discreto papel de eficientes gestores de intensidade, ao lograrem sustentar a tensão durante toda a duração da peça, a rondar a hora. Percussão sibilina e electrónica restolhante completam um quadro geral em a ilusão é quase perfeita: tremenda actividade sonora com um mínimo de notas, silêncios, sons esparsos e fragmentos angulosos intrincadamente ligados entre si, sem recurso a loops ou outro tipo de repetições – sensação de movimento constante sem sair do mesmo sítio. Grande trabalho, um dos melhores que ouvi na Creative Sources.