Alan Sondheim, músico, escritor, investigador, musicólogo e curador da editora norte-americana Fire Museum Records, tem um gosto particular por música exótica, absolutamente fora do comum, e gosta de surpreender o público com peças musicais que espantam pela energia criativa, e que, noutras mãos, dificilmente teriam oportunidade de ser ouvidas. Da música experimental, ao folk e à world, passando pelo jazz e pela weird americana, Sondheim interessa-se tanto por projectos esteticamente inovadores, como pela investigação, descoberta e divulgação de trabalhos de recolha musicológica. É este último o caso de uma gravação realizada em 1974, pelo etno-musicólogo e antropólogo norte-americano Robert Garfias, em Madras (Chennai), capital da província Tamil Nadu, situada no Sudoeste da Índia. Durante a década de 70, Garfias percorreu vários países asiáticos. Foi numa dessas viagens que, ao deambular pelo Sul da Índia munido de um gravador portátil, se deparou com um grupo de músicos itinerantes, tocadores de rua. Os Nathamuni Brothers são uma brass band do genro da das muitas que circulam por aquele imenso território, executando um reportório clássico indiano da música carnática, característica do Sul e culturalmente diferente da hindustani, do Norte. O que chamou a atenção de Robert Garfias, em relação à música dos Nathamuni, além dos aspectos ligados aos estudos académicos e científicos e do gosto pessoal por brass bands em geral, foi o facto de este grupo executar um tipo de ragas que estão formalmente nos limites das convenções da música clássica do Sul da Índia, na medida em que incorporam uma variedade de elementos ‘estranhos’. Criado a partir do som característico do popular nagaswaram (próximo do shenai do Norte, instrumento de palheta dupla da família do clarinete), com a adição de outros instrumentos (tavil, talam, sopro barítono, trompete, saxofone alto e harmónio), o grupo evoluiu para um septeto de sopros e percussão, típico na formação e atípico no reportório. Alan Sondheim, num comentário alusivo à edição, menciona um aspecto muito interessante (e que certamente terá pesado na decisão de publicar o disco), relacionado com o facto de ter encontrado na música dos Nathamuni Brothers elementos que lhe fizeram lembrar o gospel de Albert Ayler, o Klezmer judaico (original ou reconstruído pela parentela zorniana, suponho) – que os Nathumuni jamais terão ouvido – e aquilo que também me parece reconhecível e culturalmente compreensível: elementos das bandas militares e cerimoniais inglesas, assimilados e incorporados nas ragas que se ouvem no disco Madras 1974, uma pequena amostra do imenso poder estético e espiritual da música indiana, rica em harmonias, ritmos, tons e intervalos muito diferentes dos praticados na música ocidental. Madras 1974, com edição limitada a 500 exemplares, tem o lançamento previsto para 30 de Julho próximo. Entretanto, a Fire Museum Records calendarizou para breve a edição de um disco do instalador sonoro português David Maranha (Osso Exótico). Outra bela surpresa anunciada.