Diz-se que no trio de guitarra, contrabaixo e bateria já foi tudo inventado, que não há espaço nem maneira de reformular um formato que, de tanto ter sido espremido, ficou seco como uma casca de limão. Seria por isso que o guitarrista Nels Cline, ao trio habitual, resolveu desta vez juntar um duo de convidados? Não creio, porque em The Giant Pin (Cryptogramophone Records), recente realização do guitarrita norte-americano, sobram os motivos de interesse. The Nels Cline Singers não é para meninos. Não porque faça espavento em demasia, que não é o caso, ou porque a música se feche hermeticamente sobre si mesma. Nada disso. A complexidade e a mestria deste trio iconoclasta está em saber combinar e dosear eficazmente elementos de vários géneros e subgéneros da música contemporânea, como o rock, nas suas mais interessantes manifestações (Cline é membro do Wilco), ou o ataque free do jazz, ligando depois a diversidade sonora assim obtida através de híbridos interlúdios meditativos, grooves hipnóticos que preparam o ouvinte para novo assalto. Um estilo que valeu a Cline o curioso epíteto da revista Jazz Times: The world’s most dangerous guitarist... . Perigos à parte, o corpo gosta disto, é um facto; e o espírito vai atrás, a pedir mais; e não é caso para menos quando a confecção sonora atinge níveis como aqueles que os Singers nos oferecem. Quem conhece o trabalho de Nels Cline, sabe da sua prodigiosa capacidade técnica, em que citam influências de Jimi Hendrix, Jeff Beck e Duane Allman (Allman Brothers Band); reconhece o ouvido omnívoro e a expressividade sem paralelo no panorama actual da electric six string. Ademais, Nels Cline consegue essa proeza notável que é ser capaz de naturalmente variar entre a (sobre)carca de electricidade e a mais planente e acústica doçura, sem quebrar o fio condutor nem secar quem está deste lado, com manifestações aborrecidas, como as que saem das mãos da interminável horda de clones uns dos outros, que abudam no panorama da guitarra eléctrica actual. Scott Amendola e Devin Hoff são os acólitos ideais para esta celebração, com o reforço, em dois temas, de Jon Brio e Gregg Saunier. The Giant Pin reflecte o estado da arte de um músico na plenitude das suas faculdades criativas.