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21.10.06
 

Bela noite de música, ontem (21.10.06) no Cefalópode, em Lisboa. A sala tem uma acústica deveras funcional para o tipo de propostas como a que o Diggin’, versão quarteto, apresentou: Alípio C. Neto, ao volante (saxofone tenor), Jean-Marc Charmier (trompete e fliscórnio), Ben Stapp (tuba) e Paulo Bandeira (bateria).
Posta a empresa em movimento, saltou de imediato à vista a intersecção de códigos e sinais das mais díspares proveniências, com pendor acentuado de duas linhas de força dominantes, a afro-mediterrânica e a euro-americana, confluindo ambas para formar massas sonoras elásticas, que ora se concentravam em núcleos de onde emanava um calor tórrido, força bruta que vem de dentro, ora se compraziam num doce desfiar de delicadezas subtis.
Toda a gente contribui ao mesmo nível para moldar tempo e espaço no decurso da exposição de cada tema, e da improvisação que aconteceu dentro e fora dos limites flexíveis das estruturas, partilha da mesma energia infinita que está na base da criação. É ela que e dá a medida do talento individual e colectivo.
Paulo Bandeira, um dos quatro homens da noite, com a conta, peso e medida que a música pedia, muito solto e com drive seguro – uma das chaves do balanço empolgante que a sacudiu de uma ponta a outra, mercê de uma adequada gestão da temperatura do forno que Bandeira soube fazer.
Não se sabe onde Ben Stapp vai buscar tanta força para soprar daquela maneira, com perfeita articulação das linhas de baixo, contraponto com os outros sopros e refinação melódica. Impressiona mais ainda quando se trata de um músico muito jovem, com uma avenida enorme à sua frente para se fazer um dos maiores da tuba a nível mundial.
Jean-Marc Charmier põe cada vez mais fogo no desenho das suas arriscadas figuras. Atrevido, brilhou pela solidez do ataque, afirmação e resposta, colocação, entoação, aumentando o espectro colorista. Distribuidor de jogo e arranjador de bom gosto, assume, com saber e gosto, ser uma das sólidas torres de sustentação do edifício Diggin’.
Alípio C. Neto, líder e mestre da banda, assume por inteiro algumas das suas qualidades mais apreciáveis: a de temível improvisador, que esta noite puxou forte pelo seu lado pharaónico (Pharoah Sanders), mas também a de saber gerir as operações, evitar a saturação da panorâmica, sem que daí resultasse prejuízo para a sua enorme verve discursiva, potencial de tiro e desenho melódico, ao mesmo tempo que cria espaço para dar livre curso ao carrossel de ideias que brotam a cada movimento. Inesquecíveis, as aberturas para a improvisação contrapontística a três sopros, com Bandeira a segurar as pontas e a permear no groove.
Essencialmente, o Diggin’ deu mais uma mostra do seu jazz progressivo de elegante recorte e atitude fulminante. Emoção equilibrada numa fina comissura, apta a ser partilhada tanto pelo público conhecedor, como pelo neófito, tal é ductilidade daquilo que o Diggin’ exteriorizou num conjunto de composições antigas, com renovados arranjos, novos temas de Alípio C. Neto, e a estreia na escrita de Ben Stapp. Todas elas eixos de expressão da individualidade dos seus autores, veículos para, de modo diversificado, permitir ao grupo trabalhar melodia, harmonia, textura, timbre e cor: Violet Furs (Alípio C. Neto), Tug Boat Song (Ben Stapp), Canto de Xangô (Baden Powell e Vinicius de Moraes), Nunc Age (B. Stapp), Hina S Fate (A. C. Neto), 2 Shantih (A. C. Neto), Fujiamor (Jean-Marc Charmier), Une Rose Rouge (J.-M. Charmier), Pajeú (A. C. Neto) e Eléctrico 28 (A.C. Neto), a que não faltou uma dedicatória ao baterista Clarence Becton (protagonista em 1968 da rocambolesca viagem de automóvel do contrabaixista Henry Grimes de Nova Iorque para Los Angeles), que se encontrava na audiência, e ao recentemente desaparecido Dewey Redman.
Música íntegra, sem compromissos nem concessões à cómoda repetição de clichés e fórmulas tradicionais, vive do risco permanente e da capacidade de seduzir o ouvinte, de o atrair para o centro das operações, como telepático participante. Esta mais recente edição do Diggin’ apresenta uma banda com elevado potencial, totalmente empenhada em sulcar imprevisíveis vias de criação artística.
Fotos © Rodrigo Amado (clique para aumentar). Agradecimentos da casa.


 


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