Há algum tempo atrás, o saxofonista alto Seth Misterka estudava filosofia na Wesleyan University, ao mesmo tempo que integrava o círculo de criação musical à volta de Anthony Braxton, fazendo parte do Ghost Trance Ensemble. Decorridos os anos de formação académica, Seth Misterka mudou-se para Nova Iorque, onde passou a exercer intensa actividade como saxofonista alto. Entretanto, pôs de lado umas coroas e montou um estúdio em Brooklyn, onde tem gravado e produzido sessões como esta que a editora portuguesa Clean Feed em boa hora resolveu publicar. Na liderança do projecto está outro residente em Brooklyn, o activo, versátil e multifacetado percussionista Jeff Arnal, antigo aluno de Milford Graves e actual co‑director artístico do festival de música experimental Improvised and Otherwise. Àqueles dois improvisadores juntaram-se o trompetista Nate Wooley e o contrabaixista Reuben Radding. Em 2001 formaram Transit, o quarteto homónimo do disco então gravado, que, por vicissitudes várias, apenas viu a luz do dia no final de 2005. Nate Wooley começou a tocar trompete na adolescência, estudou com Ron Miles, Fred Hess e Jack Wright. Este último abriu-lhe as portas para um mundo musical de grande quietude, que passou a abraçar inteiramente. A residir em Jersey City, Wooley toca habitualmente com luminárias da categoria de Steve Swell, Tatsuya Nakatani, Anthony Braxton, Bhob Rainey, Alessandro Bosetti, Herb Robertson, Kevin Norton, Tony Malaby, Scott Rosenberg, Matt Moran, entre outros.
O contrabaixista Reuben Radding faz parte de downtown scene de Nova Iorque. Estudou com o grande Mark Dresser. No prosseguimento da sua actividade, Reuben tem tocado com Matt Moran, Oscar Noriega, Ursel Schlicht, Jack Wright, Daniel Carter, John Zorn, Marc Ribot, Elliott Sharp, Robert Dick, Wally Shoup e tantos outros mais. Hoje em dia é um dos mais reputados contrabaixistas norte-americanos do novo jazz.
Transit recorre às composições instantâneas do quarteto, com raízes no jazz e na new music, nada convencional nos domínios harmónico, melódico e rítmico, e em constante transmutação entre aqueles dois pólos. Música livremente improvisada que se baseia nas estratégias da música escrita, emerge enformada por um forte sentido de direcção e pensamento musical colectivamente ordenado.
A estratégia escolhida apela ao apurado instinto de acção e reacção dos membros do quarteto, o que os habilita a tomar decisões imediatas, a encontrar novas combinações harmónicas e estruturações rítmicas que conduzem a soluções insuspeitas. A música adquire então maleabilidade e respiração próprias, que lhe dá para explodir em diferentes cores e direcções, ou deslizar por curvas suaves, gerindo a ampla e subtil gama dinâmica, inteligentemente aplicada à transição entre aqueles dois pólos.
Um work in progress de quatro músicos talentosos e inspirados, totalmente empenhados em surpreender o ouvinte com a frescura da sua música livre, aberta, imaginativa e clarividente, que estimula o cérebro e vivifica a alma. Disco a todos os títulos excelente, Transit dá um passo em frente no desenvolvimento e consolidação do jazz actual.