Que uma parte das ideias finais de Miles Davis se cruzou com o universo peculiar de Sun Ra, disso já todos sabíamos ou andávamos desconfiados. Onde? No imaginário de quem investiga a música de um e de outro, certamente. Mas também no trabalho de artistas que procuraram aquele território comum, uma imensa zona de intersecção que se começou a desenhar nos finais de 60, começos de 70, com o estabelecimento de um novo groove, paradigma da música improvisada daquele tempo. É nesta dupla matriz que se enquadra este interessante ensaio de Julian Priester, desde logo porque o trombonista havia tocado durante longo tempo com Sun Ra, sem desdenhar um olhar atento e curioso sobre as emergentes movimentações de Herbie Hancock e do Weather Report. Foi neste contexto de novas combinações spacey-funk com instrumentos de sopro, que o sintetizador e o piano eléctrico Fender Rhodes fizeram escola e modificaram para sempre a paisagem do jazz, contribuindo para o alargar da brecha que separou os campos. De um lado, os fiéis à tradição acústica e às regras do jazz tal como definidas pelos founding fathers, o que quer que isto pudesse significar; do outro, gente mais virada para o futuro, ávida de novos sons, que levava por diante a ideia de que o jazz sempre foi e será uma linguagem musical híbrida, mestiça, evolutiva por excelência, que integra na sua corrente todas as contaminações que apanha pelo caminho.
Love, Love é produto daquela época. Nasceu depois da estadia de Priester na orquestra de Duke Ellington, a que se seguiu o tirocínio com grupo de Herbie Hancock, pré-Head Hunters. Com sequela em Polarization (ECM,1977), Love, Love foi editado em 1974 e reapareceu este ano em formato de CD pela mão da originária ECM. Em boa hora o fez, para que possamos hoje fruir a espantosa plasticidade desta música, qualidade que lhe permitiu envelhecer bem e manter intacta toda a fleuma que há mais de 30 anos lhe soprou um vento fresco na alma.
Julian Priester (trombone, sintetizador, percussão); Bill Connors (guitarra); Hadley Caliman, Mguanda David Johnson (flauta, saxofone); Bayete Umbra Zindiko (teclados); Pat Gleeson (sintetizador); Ron McClure, Nyimbo Henry Franklin (baixo); Eric Gravatt, Ndugu Leon Chancler (bateria e percussão).