Quando se associa o adjectivo free ao jazz é natural que consciente ou inconscientemente se estabeleça uma conexão com certo tipo de música abrasiva ou furiosa, com epicentro histórico no final dos anos 50 e desenvolvimento durante grande parte da década seguinte. Música que evoluiu das características essencialmente sociais e de protesto, para uma forma de arte, da qual já se poderiam encontrar vestígios técnicos em Lennie Tristano, por alturas de 1947, quando o pianista se atreveu na experiência consequentemente de improvisar sem ser sobre acordes.
Pode ainda ter-se como referencial o ressurgimento do free jazz na década de 90, a partir de dois principais centros difusores, Chicago e Nova Iorque, apoiados por manifestações menos massivas e exuberantes na Costa Oeste e numa ou outra cidade norte-americana mais activa (Boston, por exemplo), sem esquecer o Canadá e o importante contributo da fervilhante cena europeia, ocorra ela em Berlim, Londres, Amsterdão, Paris ou Estocolmo.
Tocar free pode ter outro significado, que tem mais a ver com a liberdade rítmica, melódica e harmónica, de não se ficar circunscrito a um único estilo ou forma, de explorar a interconexão entre diferentes áreas e géneros musicais e de libertar a música dos constrangimentos formais e conceptuais do passado, através da comunhão de objectivos, estratégias e métodos de trabalho.
Boston está efectivamente entre as cidades americanas mais activas nos domínios do novo jazz. É de lá que são oriundos Charlie Kohlhase, saxofones alto, tenor e barítono; Matt Langley, sax tenor; John Carlson, trompete, fliscórnio e trompete de bolso; John Turner, contrabaixo; e Eric Rosenthal, bateria: o Charlie Kohlhase Quintet. Anos passados sobre a gravação de Dancing on My Bedpost, para a CIMP, em 2003 Kohlhase saiu-se com Play Free or Die, obra em dois discos, gravados para a Boxholder Records, que é o registo de um concerto no qual o quinteto pôs em prática alguns daqueles conceitos e ideias tributárias de algum do mais interessante jazz pós-ornettiano, de entre o melhor que se faz no género free em ambiente de pré-estruturação e swing moderno, especialmente injectado pelo par John Turner/Eric Rosenthal, em noite de colectiva inspiração que não comporta um único ponto menos forte e estende a boa forma à interpretação de Super Bronze, de Sun Ra, e de Crepuscule With Nellie, de Monk.
A destacar algum tema de entre a dúzia de Play Free or Die, optaria por Doom is Mine, o quarto do primeiro disco, que em 10 minutos condensa todas as ideias e características deste tipo de música, paradigma da excelente prestação do quinteto de Charlie Kohlhase, sobre quem deverão incidir os olhos e os ouvidos dos que levem a sério o gosto e o interesse pela moderna música improvisada.
Charlie Kohlhase Quintet - Play Free Or Die (Boxholder Records, 2003)